O prejuízo de US$ 56 milhões do filho de ditador da Guiné Equatorial
Confusões de Teodoro Nguema Obiang Mangue no Brasil resultam em um rombo no seu patrimônio. Mas a novela ainda não acabou
Com a facilidade de quem pega o carro rumo à praia no fim de semana, o vice-presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Nguema Obiang Mangue, de 54 anos, embarcava em seu jato particular, um Gulfstream V, avaliado em 35 milhões de dólares, rumo a países como França, Estados Unidos, Suíça e Brasil. Filho de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, 81, ditador da Guiné Equatorial desde 1979 e que dispõe de uma fortuna de 600 milhões de dólares, Teodorin, como é mais conhecido, deve ser o sucessor do pai. Em terra, durante as viagens ao exterior, revezava-se nos deslocamentos a bordo de veículos de marcas como Lamborghini, Ferrari, Bentley e Rolls-Royce. Outro de seus hábitos envolvia a promoção de baladas privadas em mansões ou hotéis, como o Copacabana Palace, no Rio. Chegava a alugar dez suítes para hospedar seu estafe e convidados, entretendo-os com atrações como shows de integrantes de escolas de samba. Uma delas foi a Beija-Flor, agremiação que recebeu em 2015 do bolso dele um patrocínio de 10 milhões de reais para contar na avenida a história do país africano. Três anos depois, contratou para a festa de seu aniversário integrantes da Mangueira, além de artistas como Lexa e Ludmilla.
Prestes a completar 55 anos, Teodorin agora não tem muito que comemorar. O festeiro filho do ditador passou a ser investigado por lavagem de dinheiro e teve confiscada parte de seus bens no exterior. Recentemente, a Justiça brasileira seguiu o mesmo caminho, determinando o sequestro de uma cobertura dúplex localizada em São Paulo, além de carros importados, de uma coleção de relógios e de uma boa quantia de dinheiro em espécie. O patrimônio soma 56,5 milhões de dólares, o equivalente a mais de 277 milhões de reais.
As investigações por aqui começaram em 2018, quando a Polícia Federal desconfiou que Teodorin havia comprado o dúplex de quase 1 000 metros quadrados, avaliado em 15,2 milhões de dólares, por meio de uma empresa de fachada. “Apesar de a embaixada da Guiné Equatorial alegar ser a real proprietária do imóvel, não reside ali nenhum agente diplomático, tampouco há qualquer comprovação de que a missão diplomática notificou as autoridades brasileiras de que o referido imóvel seria utilizado para missões com esses fins”, diz parte da acusação, à qual VEJA obteve acesso. Na época, Teodorin recebia 75 000 dólares anuais como ministro de seu país, valor insuficiente para adquirir o imóvel. A lista de bens inclui também sete veículos de luxo, como uma Lamborghini Aventador, uma Porsche Cayenne Turbo e uma Maserati, entre outros carros, todos apreendidos judicialmente.
Definitivamente, discrição nunca foi o forte de Teodorin. Mesmo sabendo ser alvo dessa investigação, ele tentou entrar no Brasil na mesma época trazendo consigo diversas maletas contendo vinte relógios de luxo, avaliados em 15 milhões de dólares, além de 1,4 milhão de dólares em espécie. A Receita Federal do Aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), reteve todos os objetos, sob a alegação de que não haviam passado pela inspeção. A despeito da alegação dos estrangeiros de que se tratava de uma viagem oficial, os auditores aduaneiros não voltaram atrás. O caso foi parar na Justiça Cível, com o país africano pleiteando o ressarcimento. O pedido foi negado em primeira instância. No mês passado, a defesa de Teodorin desistiu da tentativa de reaver esses e todos os outros bens apreendidos.
Ao contrário do que poderia indicar a ação, não foi uma admissão de culpa. Muito pelo contrário. O governo equato-guineense armou-se para tentar uma retaliação, obtendo uma decisão judicial por lá (obviamente, o ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo também controla o Judiciário do país) para confiscar bens de empresas brasileiras que atuam em seu território. A peça não cita nomes específicos de companhias, mas pode atingir construtoras nacionais como a OAS. “Ressalta-se que diversas tentativas diplomáticas foram feitas, com a finalidade de solucionar a questão”, diz a defesa do país africano.
Localizado na região oeste da África, a Guiné Equatorial, terceira maior produtora de petróleo do continente, ocupa apenas a 145ª posição no índice de desenvolvimento humano (IDH) da ONU. A milionária família que controla o país é rica em denúncias de corrupção e não é de hoje o hábito dela de pressionar nações que tomaram decisões contrárias ao filho do ditador. Promessas de confisco de recursos de empresas francesas, assim como uma possível expulsão do embaixador do país europeu das terras guineenses, também foram feitas, sem êxito. Bravatas jurídicas à parte, tudo indica que a festa de Teodorin também acabou no Brasil.
Publicado em VEJA de 14 de Junho de 2023, edição nº 2845