PRORROGAMOS! Assine a partir de 1,50/semana

Símbolo da guinada ambiental, Marina sofre com isolamento no governo

Encruzilhada em que se encontra a ministra, sem muito clima para conciliação, tem potencial para afetar a imagem de Lula

Por Victoria Bechara Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Laísa Dall'Agnol Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h45 - Publicado em 3 jun 2023, 08h00

Duas semanas após ter sido eleito para o seu terceiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou no Egito para a primeira agenda internacional: participar da COP27, a conferência ambiental global das Nações Unidas. Lá, anunciou a volta do Brasil ao protagonismo nesse tema e tirou da manga uma cartada simbólica: a presença na Esplanada de Marina Silva, que voltaria a comandar a área na qual é uma referência mundial. Lula fez um grande esforço para se reaproximar de Marina, de quem estava distante desde 2008, quando ela saiu do mesmo ministério atirando contra o que considerava retrocessos. Menos de seis meses depois desse retorno, no entanto, o cenário de nuvens políticas sobre a ministra é nebuloso: ela sofre com a perda de poder e o isolamento político.

Na primeira passagem pela Esplanada, Marina comprou briga com ao menos dois ministros — Dilma Rousseff (Minas e Energia) e Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) — em razão da política para a Amazônia. Agora, sofre enormes pressões em razão da negativa pelo Ibama, órgão de sua pasta, de licença para explorar petróleo na bacia da foz do Rio Amazonas. Isso a colocou em rota de colisão com outros ministros, como Alexandre Silveira (Minas e Energia), com a Petrobras, com governadores do Norte e Nordeste, com aliados como o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (AP), que deixou a Rede, partido da ministra, justamente em razão das diferenças com Marina. Para completar a encrenca política, ao falar publicamente sobre o assunto, Lula disse que achava “difícil” não poder explorar petróleo na Amazônia, deixando no ar a impressão de que pode arbitrar a favor da Petrobras. Num cenário típico de tempestade perfeita, quando uma frente de desgaste estava em grande ebulição, abriu-se outra, só que externa: liderados por parlamentares de centro-direita, o Congresso mudou a Medida Provisória 1 154/2023, que reorganiza os ministérios, para tirar atribuições da pasta comandada pela ministra.

ALVO - Agostinho: “Entendo a pressão, mas não posso me pautar por isso”
ALVO - Agostinho: “Entendo a pressão, mas não posso me pautar por isso” (Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)

Marina sentiu o golpe — e criticou tanto os que, na visão dela, estavam contra uma decisão técnica (no caso do petróleo) quanto quem atuou para esvaziar sua pasta. O rebuliço provocou uma série de reuniões no Planalto para tentar equacionar as duas questões. Algumas ações em curso podem minimizar os estragos da MP. No caso do petróleo, o problema tem potencial mais explosivo. Marina, em tese, ganhou o primeiro round ao fazer valer o parecer do Ibama contra a exploração. Ficou decidido que um novo pedido seria reapresentado — o que foi feito pela Petrobras — e que o governo iria providenciar a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), um estudo amplo que aponta os impactos não só ambientais, mas sociais e econômicos, de uma atividade petroleira.

arte Marina Silva

As discussões técnicas para autorizar ou não os trabalhos seguem quentes entre Petrobras e o órgão ambiental. Marina e o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, dizem que esse estudo amplo é exigido por uma portaria interministerial de 2012 que fixou a sua exigência. “Para a equipe técnica, esse é um ponto que pesa bastante”, afirma Agostinho. A Petrobras discorda, ressaltando que pede autorização apenas para pesquisar o potencial de petróleo, uma atividade de baixo impacto e curta duração, e que os planos de emergência e de preservação da fauna atendem às exigências para o licenciamento para a fase de pesquisa. Lembra, ainda, que o poço fica a 170 quilômetros da costa, que estudos mostram que não há risco de vazamento e que nunca teve acidente com perfuração em água profunda.

Continua após a publicidade
PROTESTO - Indígenas em São Paulo: votação do marco temporal ajudou a pôr em xeque promessas de Lula no exterior
PROTESTO - Indígenas em São Paulo: votação do marco temporal ajudou a pôr em xeque promessas de Lula no exterior (Rovena Rosa/Agência Brasil)

A discussão pode se alongar, pois o Ibama tem até um ano para avaliar o novo pedido, mas é provável que a temperatura política encurte esse prazo. O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), aliado do governo e comandante de um dos estados mais interessados na exploração de petróleo, não poupou críticas. “Para ganhar narrativa, a turma age de maneira sorrateira na estratégia de comunicação e faz parecer que estamos derrubando árvore para fazer exploração. Isso é molecagem”, afirma. No Amapá, o clima não é mais ameno. Audiência pública feita na última semana em Oiapoque reuniu Randolfe Rodrigues, o senador Davi Alcolumbre (União) e o governador Clécio Luis (Solidariedade). O deputado estadual Inacio Monteiro Maciel (PDT), organizador do evento, lembrou que o projeto tem sinalização favorável de Lula, mas o governo contempla hoje “composições opostas”, em referência ao Meio Ambiente. Agostinho admite que tem sido alvo de assédio político. “Entendo a pressão, mas não posso me pautar por isso. Se fosse uma licença fácil, o governo Bolsonaro teria emitido”, diz.

De fato, o imbróglio amazônico tem uma história longa e tortuosa. Tudo começou em 2013, quando a ANP (Agência Nacional do Petróleo) fez licitações para a exploração de 45 blocos na Margem Equatorial, uma faixa que se estende por 2 200 quilômetros, do Amapá ao Rio Grande do Norte. Catorze lotes estão na bacia da foz do Amazonas. O consórcio entre a Petrobras e a inglesa BP Energy arrematou o bloco 59, epicentro da atual polêmica, e apresentou o pedido de licenciamento no ano seguinte.

PROMESSA - Ministros e líderes do governo após encontro com Marina: ação para minimizar esvaziamento de pasta
PROMESSA - Ministros e líderes do governo após encontro com Marina: ação para minimizar esvaziamento de pasta (Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)
Continua após a publicidade

Desde então, foram inúmeros pedidos do Ibama para que as empresas apresentassem estudos necessários para a área. Satisfazer as exigências do órgão ambiental não é uma tarefa fácil, algo que antecede o atual governo. A última licença foi emitida em 2015, para uma bacia no Rio Grande do Norte. Em 2018, o Ibama negou autorizações a dois blocos vizinhos ao 59. Pelo menos 95 poços já foram perfurados na bacia do Amazonas, mas somente em águas rasas. A maioria deles acabou sendo abandonada por dificuldades operacionais ou acidentes mecânicos. Em 2020, a BP Energy passou 100% do negócio do bloco 59 à Petrobras, devido às dificuldades do licenciamento.

A despeito das resistências ambientalistas, uma questão que não é uma exclusividade do Brasil, a exploração de petróleo é feita hoje em várias partes do mundo em locais considerados sensíveis. Um levantamento da ONG alemã Lingo aponta 2 905 iniciativas de exploração em 835 áreas de proteção e preservação ambiental de 91 países. Entre elas estão o Mar Vermelho (Egito), as Montanhas Rochosas (Canadá) e o Parque Nacional Yasuni (Equador), na mesma Amazônia, que abriga indígenas isolados e foi considerada Reserva da Biosfera pela Unesco em 1989. Em março, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, também autorizou explo­rar petróleo nas geleiras do Alasca — o projeto pretende extrair 18 bilhões de barris em trinta anos. Na Margem Equatorial, a expectativa é extrair 30 bilhões até 2030.

CÚPULA - O governador Helder Barbalho, Lula e o chanceler Mauro Vieira: anúncio da COP30 em Belém
CÚPULA - O governador Helder Barbalho, Lula e o chanceler Mauro Vieira: anúncio da COP30 em Belém (Ricardo Stuckert/PR)

A corrida em busca das últimas reservas é uma luta contra o tempo — e o iminente fim da era do petróleo. A Petrobras diz que é sua prioridade investir na chamada transição energética, em busca de fontes de energia renováveis, mas alerta que não será possível prescindir do petróleo nos próximos anos. “As atividades de petróleo e gás continuarão sendo essenciais para viabilizar essa transição, tanto do ponto de vista financeiro, quanto para garantir a segurança energética”, afirma Prates. Além disso, o momento para explorar as reservas pode ser exatamente este. “Depois, pode não valer a pena, pois o petróleo tende a entrar em desuso. Isso pode ocorrer entre trinta e quarenta anos”, avalia o economista Adriano Pires, especialista em energia. A riqueza que pode estar escondida na foz do Amazonas não é nada desprezível. Segundo a Petrobras, a expectativa é de encontrar ali um novo pré-sal, com estimativa de reservas de 30 bilhões de barris, o que aumentaria a produção diária do país em um terço.

Continua após a publicidade

A briga de Marina contra uma parte do governo na questão do petróleo da Amazônia vem em má hora para a ministra, atingida em cheia pela MP. O esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente era uma demanda antiga do Congresso. Ainda durante a transição, a bancada ruralista fez uma estruturação paralela, já retirando as atribuições sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a Agência Nacional de Águas da pasta. Para esse grupo, a ministra não teria a isenção necessária para, por exemplo, arbitrar sobre questões relacionadas à construção de hidrelétricas ou à concessão de propriedades rurais. “Não faz sentido o CAR ficar no Ministério do Meio Ambiente, especialmente quando os dados são utilizados para criminalizar as atividades da agropecuária”, afirma o deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária.

O pior para a ministra é como o esvaziamento foi desenhado. O relator da MP, Isnaldo Bulhões (MDB-AL), garante que todas as alterações foram apresentadas ao governo. O ministro Rui Costa participou de um jantar na casa de Bulhões, acompanhado do ministro das Cidades, Jader Filho (MDB), mas se empenhou apenas para evitar a retirada do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) da Casa Civil. O mesmo Rui Costa, no dia 22 de maio, participou de uma reunião na casa do seu colega da Agricultura, Carlos Fávaro, onde foi advertido que a votação do marco temporal para a demarcação de terras indígenas era uma condição dos ruralistas para apoiar o arcabouço fiscal. De novo, ouviu e assentiu. Nos últimos dias, a situação da ministra virou motivo de chacota e irritação dentro e fora do governo. Na terça-feira 30, assim que entrou no plenário, um deputado abordou Bulhões, deu dois tapinhas em seu peito e disse, aos risos: “A Marina quer falar com você”. O relator riu de volta: “Se ela quiser, eu falo. É ela que está contra o governo, eu votei tudo junto”, respondeu ele, que também é líder do MDB. O senador Davi Alcolumbre também ironizou a ministra e disse que seria bom ela não sair do governo. “É bom ela ficar para inaugurar o poço com a gente”, disse.

EXEMPLO - Geleiras no Alasca: exploração de petróleo atinge 835 áreas consideradas ambientalmente sensíveis no mundo
EXEMPLO - Geleiras no Alasca: exploração de petróleo atinge 835 áreas consideradas ambientalmente sensíveis no mundo (Mario Tama/Getty Images)

A queda de braço atual é a reedição de um velho — e pobre — dilema do Brasil: como compatibilizar atividade econômica e preservação ambiental. Na ditadura militar, o governo incentivava a ocupação da Amazônia com slogans como “Toque sua boiada para o maior pasto do mundo”. No período da redemocratização, esse discurso deu lugar à ideia do desenvolvimento sustentável. Na prática, porém, pouco se avançou nessa direção diante das necessidades. A própria Marina assinou o PAS (Plano Amazônia Sustentável), em 2008, que ficou só no papel, embora sua gestão tenha tido o mérito inegável de ter iniciado o processo que reduziu em níveis recordes a taxa de desmatamento da Amazônia. O combo que impede a exploração econômica racional da Amazônia inclui a falta de vontade e a inapetência política, a inexistência de projetos realmente efetivos, a falta de articulação entre as diferentes iniciativas e a dificuldade de conciliar visões opostas. “Quem tenta o meio do caminho esbarra na resistência de dois grupos: um querendo altíssimos lucros e o outro, uma perfeição inatingível em termos de proteção ao bioma”, diz Augusto Rocha, professor associado da Universidade Federal do Amazonas.

Continua após a publicidade

Enquanto isso, a Amazônia permanece na mesma ou pior. Segundo estudo do instituto Imazon, o IPS (índice de progresso social) da região piorou desde 2014 — de 57,31 para 54,59 em 2021, abaixo da média nacional (63,29). O IPS é composto apenas de indicadores sociais e ambientais e agregado em três dimensões — Necessidades Humanas Básicas, Fundamentos para o Bem-Estar e Oportunidades. Não por acaso, o pior indicador foi o de Oportunidades (41,80). Embora ao longo de igual período, os indicadores de desmatamento tenham caído, houve nos últimos anos um aumento das infrações ambientais, em parte pela permissividade do governo anterior, e o mais grave: a expansão e diversificação de atividades criminosas como garimpo, caça, pesca e tráfico de drogas — atividades que encontram terreno fértil para prosperar em meio à falta de perspectiva econômica de boa parte da população.

Dentro dessa sinuca de bico ambiental, a encruzilhada em que se encontra Marina tem potencial para afetar a imagem de Lula. O mundo é bastante sensível à pauta ambiental brasileira. Um exemplo veio na terça 30, quando a Câmara aprovou o marco temporal, que prevê que os indígenas só podem reivindicar terras que já ocupavam antes da Constituição de 1988. “Não é um bom sinal”, disse a deputada alemã Anna Cavazzini, vice-presidente da delegação do Parlamento Europeu para relações com o Brasil. Há a avaliação de que, diante do apreço internacional por Marina, ela é uma figura “indemissível” por Lula, ainda mais logo depois da confirmação da realização em 2025 da COP30, a cúpula do clima, em Belém, no Pará. “O governo não pode dizer ao mundo que concorda com o enfraquecimento da pauta ambiental e indígena, porque isso é desautorizar o próprio presidente”, avalia Marcio Astrini, secretário-geral do Observatório do Clima.

Aliado de Marina, o presidente do Instituto de Desenvolvimento Social (IDS), Ricardo Young, diz que ela e sua equipe “estão serenos”. “O governo é uma aliança, uma frente, tem muitos interesses”, relativiza. A questão, no entanto, diz respeito a quanto o presidente Lula será capaz de conciliar os interesses de um Congresso conservador (incluindo uma bancada ruralista maior e mais empoderada), as pressões em torno da urgência da evolução econômica da Região Norte (o petróleo na Amazônia é visto como uma chance imperdível) e as bem-intencionadas ideias da ministra. O que se viu nos últimos dias mostra que não há muito clima para uma conciliação, mas é preciso urgentemente encontrar o caminho do equilíbrio entre tantos interesses e necessidades. Mesmo às voltas com o isolamento político e a perda de poder, Marina Silva pode ainda ajudar o país a equacionar esse importante dilema.

Publicado em VEJA de 7 de junho de 2023, edição nº 2844

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.