Surtos do vírus por trás da bronquiolite acendem alerta de especialistas
Infecção respiratória pode ser letal para bebês e idosos. Mas há vacina à vista
Em 5 de maio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o fim da emergência global por Covid-19. Durante mais de três anos, o coronavírus foi o protagonista de todas as discussões e ações em torno de doenças respiratórias. Mal ele começa a ficar sob controle, outros microrganismos despontam como ameaças no período do outono-inverno. O patógeno da vez atende pelo nome de vírus sincicial respiratório (VSR). Menos conhecido do público, ele pode causar sintomas de resfriado em adultos saudáveis, mas despertar quadros graves e até fatais principalmente nos dois extremos da faixa etária: os bebês e os idosos.
O agente infeccioso está implicado em casos de bronquiolite nos mais novos e de pneumonia nos mais velhos — ambas agressões ao sistema respiratório que podem exigir internação. A preocupação no Brasil se deu na esteira do aumento expressivo nos casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) em crianças, com grande número de hospitalizações. A falta de leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) para salvar pacientes mais críticos fez o estado do Amapá decretar situação de emergência.
Quando a temperatura cai e o inverno se aproxima, já é esperado o reaparecimento das viroses respiratórias, caso da gripe e do VSR. São doenças sazonais. Mas, desta vez, a onda parece ter vindo com mais força. Um dos motivos é que, nos anos anteriores, o vírus da bronquiolite acabou circulando menos em razão das medidas restritivas e do uso de máscaras impostos pela pandemia. “Com o retorno das atividades escolares e presenciais, criaram-se condições para que esses microrganismos voltassem a se disseminar e encontrassem uma população sem exposição prévia a eles”, explica o infectologista Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). “Tudo isso favorece as altas taxas de transmissão.”
De acordo com o Ministério da Saúde, de janeiro a março de 2023 foram registrados mais de 3 000 casos de SRAG por VSR, a maioria em crianças menores de 4 anos. O boletim mantido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também revela índices inquietantes: em sua mais recente edição, os testes positivos para o vírus já estavam em 47% do total de infecções respiratórias, mais que o da Covid (25%). Com o risco de bronquiolite no ar, os especialistas aconselham aos pais cautela ainda maior diante de sintomas como febre, dor de garganta e cabeça, secreção nasal, recusa alimentar e irritabilidade — e não se deve esperar para procurar um hospital caso o pequeno tenha febre alta, chiado no peito ou dificuldade para respirar. Idosos também devem reforçar as medidas preventivas. Neles, especialmente se houver queda na imunidade, o VSR também é insidioso.
A melhor forma de reduzir o risco de contrair o patógeno é assegurar a higiene das mãos, evitar aglomerações e locais fechados, aumentar a ventilação do ambiente e, sempre que possível, deixar as pessoas com sintomas mais reclusas. Para bebês prematuros, um grupo ainda mais ameaçado pelo vírus, existe a possibilidade de se aplicar injeções de um anticorpo monoclonal que bloqueia a infecção. Não existe um tratamento específico para a bronquiolite — a ideia é impedir as complicações.
Ainda não há vacinas disponíveis para a doença. Mas essa realidade está prestes a mudar. A farmacêutica Pfizer entrou com um pedido de autorização especial na FDA, a agência regulatória americana — uma bússola para os órgãos de outros países —, buscando a aprovação do primeiro imunizante capaz de resguardar bebês. Na realidade, ele é injetado nas mães, ainda gestantes, e demonstrou eficácia de mais de 80% nos 3 meses de vida da criança e quase 70% nos 6 meses.
Quem sai na frente em matéria de proteção, contudo, são os idosos. Os Estados Unidos acabam de dar sinal verde a uma vacina inédita especialmente projetada para pessoas acima de 60 anos. Desenvolvida pelo laboratório GSK, ela demonstrou nos estudos clínicos uma eficácia de 94% para evitar infecções respiratórias graves nesse público. “É uma importante conquista de saúde pública na prevenção de uma doença que pode ser fatal”, disse Peter Marks, um dos diretores da FDA.
No Brasil, não há previsão de chegada dessas vacinas. Mas Kfouri acredita que isso é questão de tempo, inclusive porque 97% das mortes por VSR ocorrem em crianças que vivem em países de menor renda. Depois da tragédia da Covid-19, ficou ainda mais nítido que prevenir é sempre melhor que remediar — para o paciente, para a família e para o Estado.
Publicado em VEJA de 7 de junho de 2023, edição nº 2844