Preste atenção no desenho acima. Haveria algo de muito falso ao representar chineses mesmerizados por alguns dos ícones do consumo capitalista? Definitivamente a resposta é não. Basta citar este dado avassalador: um em cada três iPhones vendidos no planeta foi para as mãos de um chinês. Isso representa 243 milhões de usuários. Se formasse um país, esse contingente teria a quinta maior população do globo, superada apenas pela da própria China, da Índia, dos Estados Unidos e da Indonésia. Por trás desse número há mais do que a evidente constatação de que a abertura da China comunista à economia capitalista, iniciada na década de 70, está consolidada. O que essa nova realidade experimentada pelos chineses deixa claro é que o avanço da tecnologia passou a ocupar o lugar das revoluções na ambição de levar prosperidade material ao maior número possível de pessoas.
Não se trata de um consumismo que acaba em si mesmo. Impulsionada pela internet — da qual o célebre modelo de celular lançado por Steve Jobs em 2007 soube se valer tão bem —, a era virtual permitiu que milhões de cidadãos em todos os continentes prosperassem, pelo simples fato de passarem a ter acesso a uma gama variadíssima de mercados e serviços dos quais até então se viam excluídos. Pagar contas, comprar, fazer cursos a distância, consultar-se com especialistas — tudo o que um simples smartphone possibilita hoje em dia a centenas de milhões de usuários significa inclusão. Não por acaso, o Nobel de Economia de 2015, Angus Deaton, um dos maiores estudiosos da atualidade em questões sociais, é taxativo: “Hoje vivemos melhor do que em qualquer outro momento da história”.
“Vivemos melhor hoje do que em qualquer outro momento da história”, diz o Nobel de Economia Angus Deaton
Se desde a Revolução Industrial o capitalismo se movimenta em ciclos que alternam crescimento e recessão, como teorizou, na década de 20, o economista russo Nikolai Kondratiev (1892-1938), existe, ao mesmo tempo, de acordo com Deaton, uma “força coletiva racional” que guia o mundo, a longo prazo, para a solução de problemas sociais como a pobreza, levando ao avanço na qualidade de vida. Assim, estaríamos mergulhados, neste momento, em um duradouro ciclo de prosperidade. Naturalmente, ele não atinge de maneira igualitária todos os países, devido ao protecionismo, a políticas populistas e outros fatores. A Argentina é um bom exemplo. Apontada como uma nação que dispunha de fartas condições para se desenvolver, ela não só perdeu o rumo do progresso como tem falhado miseravelmente em suas tentativas de retomada do crescimento.
A história das últimas décadas ensinou também que a prosperidade decorre de leis e práticas que estimulam e permitem que os indivíduos trabalhem e sejam produtivos. O respeito aos contratos, o combate aos privilégios e a estabilidade das instituições são elementos comuns a países que conseguiram romper a barreira que separa os pobres dos emergentes, e estes dos desenvolvidos. Tome-se o caso da Coreia do Sul. Em quarenta anos, os sul-coreanos deixaram a condição de nação pobre para ingressar no seleto rol das economias desenvolvidas. A priorização da educação, uma estratégia de apoio ao crescimento da indústria local associada ao cumprimento de metas — algo ausente na cultura brasileira de concessão de incentivos — e a abertura comercial foram alguns dos pilares do milagre de Seul. Não, a prosperidade não é uma invenção.
Publicado em VEJA de 26 de setembro de 2018, edição nº 2601