Sempre que um crime chocante é noticiado no Brasil, as redes sociais se enchem de comentários que defendem punições mais severas, especialmente quando os envolvidos são adolescentes. Considerando os altos índices de violência, é compreensível que as pessoas se sintam inseguras e peçam às autoridades maior proteção. Mas quem acredita que a resposta é simplesmente punir de forma mais rígida equivoca-se. O que precisamos não é prender mais, por mais tempo. Precisamos ser mais inteligentes e pensar com cuidado quais estratégias para reduzir o crime realmente funcionam.
Neste mês, o Senado debate uma proposta que é muito severa, mas não muito inteligente. Mais uma vez, parlamentares discutem uma emenda constitucional para permitir que adolescentes de 16 e 17 anos sejam processados, julgados e condenados como adultos. Os defensores da proposta afirmam que eles seriam punidos como adultos apenas em casos “específicos e extraordinários”, como homicídio, sequestro, estupro e reincidência em roubo qualificado. Na realidade, essa variedade de crimes abre portas para que a emenda seja aplicada de forma abrangente. Por exemplo, cerca de 40% dos adolescentes internados na Fundação Casa em São Paulo neste ano foram detidos por roubo qualificado.
A emenda parte de uma abordagem para os adolescentes em conflito com a lei que não é apenas ineficaz, é contraproducente. Estudos nos Estados Unidos mostram que adolescentes processados, julgados e punidos como adultos são mais propensos a reincidir no crime depois de livres. Esse é um dos motivos pelos quais muitos estados americanos têm promovido reformas para garantir que jovens menores de 18 anos sejam julgados em um sistema juvenil.
No Brasil, com a emenda, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) deixaria de ser aplicado aos adolescentes que os juízes decidissem processar como adultos. O ECA tem sido um modelo para a região. Ele estabeleceu um sistema de responsabilização para adolescentes em conflito com a lei, levando em consideração as realidades de seu desenvolvimento mental e emocional ainda em formação e enfatizando a possibilidade de ressocialização. De acordo com ele, adolescentes menores de 18 anos podem ser mantidos por até três anos em instituições socioeducativas a partir de um plano individual de atendimento. Os adolescentes são capazes de mudar e realmente o fazem, muito mais facilmente do que os adultos, quando recebem apoio adequado. Nem todos eles aproveitam essa oportunidade e se tornam cidadãos que respeitam a lei, mas a alternativa que a emenda propõe — negar-lhes a proteção do ECA — é receita para o desastre.
Os defensores da emenda afirmam que o sistema socioeducativo está falhando. Muitas pesquisas revelam sérios problemas nas suas unidades. Mas a solução real, que efetivamente incentivará a ressocialização, é investir no sistema que os próprios senadores ajudaram a construir para que ele possa funcionar como foi idealizado. Essa seria uma medida inteligente para reduzir o crime.
Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2017, edição nº 2550