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Rumo à Europa, imigrantes enfrentam racismo, tortura e afogamento

As pessoas são dividas com base em critérios raciais e de gênero. Brancos viajam no convés, negros na parte interior dos barcos. Mulheres e crianças são presas nos porões

Por Edoardo Ghirotto e Diego Braga Norte
26 abr 2015, 19h54

Há um sentimento comum entre os milhares de imigrantes que se sujeitam às condições subumanas e se amontoam em embarcações obsoletas para chegar ao continente Europeu através do Mar Mediterrâneo. Poucos estariam ali se essa não fosse a última alternativa. Além da miséria crônica dos países subsaarianos, os conflitos que se espalharam por Síria, Líbia e Iêmen nos últimos anos esfacelaram governos e amplificaram perseguições raciais e religiosas no norte da África e no Oriente Médio. Dados da Anistia Internacional mostram que metade dos imigrantes ilegais que realizaram a travessia era composta por refugiados de guerra. Os demais tinham objetivo de se asilar na Europa ou arrumar um emprego para fornecer uma vida melhor para suas famílias. Com relação à nacionalidade, 46% dos imigrantes eram provenientes da Síria e Eritreia. Malianos, líbios, nigerianos, etíopes e somalis também são flagrados com frequência na região.

A Líbia se transformou no maior ‘hub’ de embarque clandestino. O país está destroçado por uma guerra civil desde o fim da revolta que liquidou o ditador Muamar Kadafi, em 2011. Milícias fundamentalistas ganharam terreno no ano passado e conquistaram o controle de importantes cidades, incluindo a capital Trípoli e Bengasi. O governo que conta com o respaldo da comunidade internacional encontra-se acuado no leste do país e, sem poder, chegou a buscar refúgio em uma embarcação ancorada em Tobruk. Como o Exército nacional foi dizimado e os postos de controle das fronteiras encontram-se abandonados, o fluxo de imigrantes é intenso no país. É neste cenário que redes de traficantes de humanos, muitas vezes aliadas a grupos armados, conseguem coagir pessoas a abrir mão de suas últimas economias em troca de uma viagem só de ida para a Europa.

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Em relato ao jornal britânico The Guardian, um imigrante nigeriano contou que, ao chegar a uma praia da Líbia, se deparou com centenas de pessoas acampadas e aguardando a ordem dos traficantes para viajar. Uma vez dentro do barco, os criminosos permitem que milícias armadas subam a bordo para roubar os últimos pertences dos imigrantes. As pessoas, então, são dividas com base em critérios raciais e de gênero. Por terem a pele mais clara e condições de pagar maiores quantias em dinheiro (a ‘passagem’ custa entre 600 e 2.000 euros ou 1.800 e 6.000 reais), os sírios são autorizados a ficar no convés das embarcações, onde teoricamente seria mais seguro. Refugiados de pele mais escura vindos da África Subsaariana são trancados nos porões dos barcos, assim como mulheres e crianças – consideradas ‘barulhentas demais’. Qualquer ação que os traficantes venham a considerar uma desobediência é passível de torturas, castigos físicos e até morte, empurrando as pessoas ao mar.

As viagens, que deveriam durar de três a quatro dias, transformam-se num pesadelo pela precariedade das embarcações. Os pesqueiros clandestinos não têm estrutura necessária para permanecer estabilizados no oceano e são atirados para diferentes direções conforme a força das ondas. Os próprios traficantes costumam guiar os barcos e, por não terem experiência suficiente, se perdem com frequência nas águas do Mediterrâneo. A comida e água potável disponível também não demoram a acabar, o que provoca agitações entre os imigrantes. O desespero é tamanho que os naufrágios na região costumam ocorrer devido ao excesso de pessoas que se aglomeram em uma única área do pesqueiro após um barco estrangeiro ser avistado ao horizonte. A grande maioria dos imigrantes não sabe nadar e se afoga imediatamente após cair na água.

Caso sejam resgatados com vida ou consigam cumprir a viagem até águas controladas por países europeus, os imigrantes enfrentam um burocrático processo até serem autorizados a reconstruir suas vidas. Muitas vezes eles permanecem por tempo indeterminado em centros de acolhimento superlotados. “De acordo com as regulamentações da União Europeia, os imigrantes precisam ser identificados no primeiro país ao qual eles chegam e, se quiserem pedir asilo, devem fazer isso no primeiro país em que aportam. Como muitos querem se deslocar para outros lugares da Europa, eles permanecem em situação ilegal. Isso torna impossível o encaminhamento de solicitações para trabalhar. E muitos acabam apelando para os empregos irregulares”, explica a pesquisadora Elisa De Pieri, da organização Anistia Internacional.

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Nesta semana, a procuradoria da cidade portuária italiana de Catânia, na região da Sicília, divulgou detalhes de uma investigação que prova a participação de mafiosos na exploração de imigrantes mantidos em centros de acolhimento. A mera presença dos refugiados nestas instituições rendia subsídios do governo e lucros milionários para as redes criminosas. Para a pesquisadora Elisa, “os governos europeus têm a obrigação de proteger essas pessoas, e não tentar mantê-las em países onde elas não estão seguras”. “Frente aos milhares de imigrantes trabalhando ilegalmente e sendo explorados, os governos europeus devem considerar se suas políticas de imigração estão de acordo com as demandas do mercado de trabalho”, diz.

Roderick Parkes, analista de políticas europeias do Instituto Alemão de Relações Internacionais, vai mais além e cobra da União Europeia uma mudança radical com relação ao acolhimento dos imigrantes. “A União Europeia estava ciente de todos esses problemas, e mesmo assim falhou na hora de encará-los de frente. Nós somos muito arrogantes e acreditamos cegamente que todo o mundo deseja vir para a Europa. Somos muito tecnocratas para perceber os efeitos políticos das nossas políticas. Não mostramos disposição nenhuma para nos colocarmos no lugar de outros Estados. Muitas das tensões geopolíticas registradas hoje entre os países que circundam a União Europeia foram causadas por estes erros na política imigratória”.

Mapa mostra as últimas tragédias envolovendo imigrantes ilegais no Mar Mediterrâneo
Mapa mostra as últimas tragédias envolovendo imigrantes ilegais no Mar Mediterrâneo (VEJA)
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