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Trecho de nova biografia de Musk traz bastidores de briga com Bezos

Escrito pelo jornalista Walter Isaacson, livro sobre dono da Tesla e da SpaceX será lançado no dia 12, simultaneamente, nos Estados Unidos e no Brasil

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 8 set 2023, 06h01

Um dos livros mais esperados do ano, Elon Musk por Walter Isaacson (Intrínseca), será lançado no dia 12, simultaneamente, nos Estados Unidos e no Brasil.

Mais respeitado biógrafo da atualidade, narrador das vidas de Steve Jobs, Albert Einstein e Leonardo Da Vinci, Isaacson passou dois anos acompanhando a rotina do bilionário dono da Tesla e da SpaceX, entre outras empresas. O jornalista, que foi editor da Time e CEO da CNN, gravou horas de entrevistas com Musk, com pessoas que gravitam ao redor dele  e até com seus vários inimigos para construir um retrato o mais fiel possível de uma personalidade considerada ao mesmo tempo brilhante e controversa.

Antes da chegada da biografia às livrarias, VEJA antecipa  o trecho de um capítulo no qual Isaacson mostra os bastidores da briga que levou ao rompimento de uma amizade fugaz e nada desinteressada entre Musk e Jeff Bezos, dono da Amazon, da Blue Origin e do Washington Post, entre outras empresas. Boa leitura.

Elon Musk na capa da biografia do bilionário, escita pelo jornalista Walter Isaacson -
Elon Musk na capa da biografia do bilionário, escita pelo jornalista Walter Isaacson – (Editora Instrínseca/Divulgação)

Capítulo 37: Musk e Bezos – SpaceX, 2013-2014

Jezz Bezos

Jeff Bezos, o superacelerado bilionário da Amazon, dono de uma risada escandalosa e de um entusiasmo pueril, persegue suas paixões com um talento para ser, ao mesmo tempo, exuberante e metódico. Como Musk, ele era viciado em ficção científica na infância, lendo todas as obras de Isaac Asimov e Robert Heinlein da biblioteca pública local.

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Quando tinha 5 anos, em julho de 1969, assistiu pela televisão à cobertura da missão da Apollo 11, que culminou com Neil Armstrong andando na Lua. Esse foi um “momento seminal” para ele, de acordo com Bezos. Tempos depois, ele financiaria uma série de missões que recuperaram do oceano Atlântico os motores da Apollo 11, os quais instalou em um nicho na sala de estar de sua casa em Washington, D.C.

A empolgação com o espaço transformou Bezos num daqueles fanáticos por Star Trek que conhecem todos os episódios. Como orador da turma do ensino médio, o discurso dele foi sobre como colonizar planetas, construir hotéis no espaço e salvar a Terra ao encontrar outros lugares para fábricas. “Espaço, a fronteira final, encontrem-me lá!”, concluiu ele.

Em 2000, depois de tornar a Amazon a empresa de vendas on-line dominante no mundo, Bezos silenciosamente lançou uma empresa chamada Blue Origin, nome inspirado no planeta azul-claro onde os humanos surgiram. Como Musk, ele se concentrou em construir foguetes reutilizáveis. “Em que aspectos a situação no ano 2000 é diferente da situação nos anos 1960?”, pergunta Bezos. “A diferença está nos sensores eletrônicos, nas câmeras, nos softwares. Ser capaz de pousar verticalmente é o tipo de problema que pode ser enfrentado pelas tecnologias que não existiam em 1960.”

Tal qual Musk, ele embarcou em empreendimentos espaciais mais como um missionário do que como um mercenário. Há maneiras mais fáceis de ganhar dinheiro. A civilização humana, Bezos acreditava, logo acabará com os recursos de nosso pequeno planeta. Isso nos levará a uma escolha: aceitar parar de crescer ou se expandir para lugares além da Terra. “Não acho a estática compatível com a liberdade”, diz. “Podemos resolver esse problema, e há uma solução: nos mudar para o sistema solar.”

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Os dois se conheceram em 2004, quando Bezos aceitou o convite de Musk para fazer um passeio na SpaceX. Em seguida, Bezos ficou surpreso ao receber um e-mail seco de Musk, que expressava irritação por Bezos não ter retribuído o convite para que Musk conhecesse a fábrica da Blue Origin em Seattle, o que ele prontamente fez, então. Musk foi de avião com Justine, visitou a Blue Origin, depois eles jantaram com Bezos e a esposa, MacKenzie. Musk estava cheio de conselhos, expressados com a intensidade usual. Avisou a Bezos que ele estava indo pelo caminho errado: “Cara, nós tentamos isso e acabou sendo muito idiota, então me escute, não faça a mesma bobagem que fizemos.” Bezos se lembra de pensar que Musk era um pouco confiante demais, dado que ainda não tinha lançado com sucesso um foguete. No ano seguinte, Musk pediu a Bezos que a Amazon fizesse uma avaliação do novo livro de Justine, um thriller de horror urbano sobre seres metade demônio, metade humano. Bezos explicou que não dizia para a Amazon quais livros avaliar, mas falou que iria pessoalmente publicar uma avaliação de cliente. Musk enviou uma resposta áspera, mas mesmo assim Bezos publicou uma elogiosa resenha pessoal.

PAD 39 A

No início de 2011, a SpaceX ganhou uma série de contratos da Nasa para desenvolver foguetes que poderiam levar humanos até a Estação Espacial Internacional, uma tarefa crucial desde a aposentadoria do ônibus espacial. Para cumprir essa missão, ela precisava aumentar as instalações no Pad 40, em Cabo Canaveral, e Musk decidiu alugar as instalações mais históricas do lugar, o Pad 39 A.

O Pad 39 A havia sido palco central da Era Espacial Norte-Americana, gravado na memória de toda uma geração que viu pela televisão e prendeu a respiração quando a contagem regressiva começou: “Dez, nove, oito…” A missão de Neil Armstrong na Lua a que Bezos assistiu quando criança fora lançada do Pad 39, em 1969, assim como a última missão tripulada para a Lua, em 1972. E também a primeira missão do ônibus espacial, em 1981, e a última, em 2011.

Em 2013, porém, com o programa do ônibus espacial encerrado e meio século de aspirações espaciais norte-americanas tendo terminado com estrondos e choramingos, o Pad 39 estava enferrujando e ervas daninhas cresciam no fosso de chamas. A Nasa ansiava por alugá-lo. O cliente óbvio era Musk, cujos foguetes Falcon 9 já haviam sido lançados em missões de carga do Pad 40, que ficava próximo e Obama tinha visitado. No entanto, quando a locação foi aberta para lances, Jeff Bezos, tanto por razões sentimentais quanto práticas, decidiu competir pelo lugar.

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Quando a Nasa decidiu locar o espaço para a SpaceX, Bezos entrou com uma ação judicial. Musk ficou furioso, declarou que era ridículo que a Blue Origin contestasse o aluguel “quando eles não conseguiram colocar nem um palito em órbita”. Ele ridicularizou os foguetes de Bezos, apontando que só eram capazes de chegar ao limite do espaço e então caíam; eles não tinham o impulso necessário para romper a gravidade da Terra e entrar em órbita. “Se eles de alguma forma conseguirem apresentar nos próximos cinco anos um veículo nos padrões de qualificação humana da Nasa que possa se acoplar à estação espacial, que é a finalidade do Pad 39 A, vamos acomodar com alegria as necessidades deles”, disse Musk.“Francamente, acho mais provável descobrir unicórnios dançando no duto de chamas.”

A batalha dos barões sci-fi havia começado. Um funcionário da SpaceX comprou dezenas de unicórnios infláveis e os fotografou no duto de chamas da plataforma.

Bezos acabou conseguindo alugar um complexo de lançamento próximo de Cabo Canaveral, o Pad 36, que havia sido o local de lançamento das missões para Marte e Vênus. A competição dos bilionários infantis estava pronta para continuar. A transferência dessas plataformas sagradas representava, tanto simbolicamente quanto na prática, que a tocha da exploração espacial iniciada por John Kennedy estava passando das mãos do governo para o setor privado — da outrora gloriosa e hoje esclerosada Nasa para um novo tipo de pioneiros com sentido de missão.

Foguetes reutilizáveis

Tanto Musk quanto Bezos tinham uma visão sobre o que iria tornar as viagens espaciais mais viáveis: foguetes que pudessem ser reutilizados. O foco de Bezos era criar os sensores e o software que guiassem o foguete para um pouso seguro na Terra. Mas isso era apenas parte do desafio.

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A maior dificuldade seria colocar todos esses atributos em um foguete que permanecesse leve o bastante e cujos motores teriam impulso suficiente para chegar à órbita. Musk se concentrava obsessivamente nesse problema de física. Ele gostava de meditar, meio brincando, que nós, terráqueos, vivemos em uma simulação de videogame criada por senhores inteligentes com senso de humor. Eles fizeram a gravidade em Marte e na Lua fraca o suficiente para que se lançar em órbita fosse fácil. Na Terra, porém, a gravidade parece perversamente calibrada para tornar quase impossível chegar à órbita.

Como um alpinista organizando o conteúdo da mochila, Musk estava obcecado em reduzir o peso de seus foguetes. Isso tinha um efeito multiplicador: remover um pouco de peso — excluindo uma parte, usando um material mais leve, fazendo soldas mais simples — resulta em menos combustível necessário, o que reduz ainda mais a massa que os motores precisam impulsionar. Quando andava pelas linhas de produção da SpaceX, Musk parava em cada estação, observava em silêncio e desafiava a equipe a descartar alguma parte. Quase todas as vezes, ele, de forma maníaca, batia em uma só tecla: “Um foguete completamente reutilizável é a diferença entre ser uma civilização de um único planeta e ser uma de múltiplos planetas.”

Musk levou essa mensagem para o jantar anual de 2014 do centenário Explorers Club, na cidade de Nova York, onde recebeu o President’s Award. Ele compartilhou o palco com Bezos, que aceitou um prêmio pelo trabalho que a equipe dele fizera quando da recuperação do motor da espaçonave Apollo 11, comandada por Neil Armstrong. No jantar formal, foram servidos pratos destinados a atrair os superaventureiros, como escorpiões, morangos cobertos com larvas, pênis de boi agridoce, martínis com olho de cabra e jacarés inteiros estavam entalhados nas laterais da mesa.

Um vídeo mostrando os bem-sucedidos lançamentos de foguetes da SpaceX apresentava Musk. “Vocês foram gentis em não mostrar nossos primeiros três lançamentos”, disse ele. “Vamos ter que mostrar um vídeo de erros de gravação em algum momento.” Então ele fez um sermão sobre a necessidade de um foguete completamente reutilizável. “É isso que nos permitirá estabelecer vida em Marte”, explicou. “Nosso próximo lançamento terá pernas no foguete para pouso pela primeira vez.” Foguetes reutilizáveis poderão, algum dia, reduzir o custo de levar uma pessoa a Marte para 500 mil dólares. A maioria das pessoas não vai poder viajar, admitiu, “mas suspeito que algumas pessoas nesta sala iriam”.

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Bezos aplaudiu, mas naquele momento estava preparando um ataque inesperado. Ele e a Blue Origin haviam pedido o registro de uma patente nos Estados Unidos intitulada “Pouso em mar de veículos espaciais”, e poucas semanas depois do jantar a obtiveram. O registro de dez páginas descrevia “métodos para pouso e recuperação de um foguete auxiliar e/ou outras porções dele em uma plataforma no mar”. Musk ficou furioso. A ideia de pousar em navios no mar “é algo que tem sido discutido por, tipo, meio século”, disse ele. “Está em filmes de ficção; está em inúmeras propostas; há tantos antecedentes da invenção, é uma loucura. Então, tentar patentear algo que as pessoas têm discutido por meio século é, obviamente, ridículo.”

No ano seguinte, depois que a SpaceX entrou com um processo, Bezos concordou em cancelar a patente. A disputa, no entanto, aumentou a rivalidade entre os dois empreendedores espaciais.01

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