O trem-bala despontou há sessenta anos no Japão. E o Brasil?
O país volta a estudar a possibilidade de implantar uma linha de alta velocidade no eixo Rio-São Paulo
A história das ferrovias se divide em antes e depois do Shinkansen, o nome japonês do elegante e veloz comboio azul e branco que parecia flutuar sobre os trilhos, a incríveis 210 km/h. Em 1964, a terra do sol nascente via surgir uma nova modalidade de transporte que reduzia em cinco vezes o tempo das viagens em linhas férreas, agregando ainda luxo e conforto aos passageiros. O trecho inaugural, ligando Tóquio a Osaka, abrangia um percurso de 515 quilômetros. Se, no final do século XIX, ele demorava dezesseis horas para ser concluído nos vagarosos vagões, agora poderia ser feito em três. Símbolo do renascimento econômico do Japão depois da Segunda Guerra, o trem-bala inaugurou outra era na mobilidade e ainda é uma das atrações turísticas do país. E não parou desde então, inclusive em termos tecnológicos: a última geração, com design arrojado, anda a 310 km/h.
O transporte sobre trilhos sempre imperou no Japão moderno. Ao somar todos os tipos de trens, incluindo o metrô, a nação construiu, ao longo do tempo, uma rede de 27 000 quilômetros. Mas foi ao colocar o primeiro trem-bala para rodar que ganhou projeção global e passou a exportar a tecnologia. França, Alemanha , China, Espanha, entre outros países, se inspiraram e passaram a desenvolver suas linhas de trens rápidos. São modelos que têm a vantagem de ser mais sustentáveis, por operarem com motores elétricos. A China, contudo, deu um passo além. Estreou, neste ano, a primeira rota trafegada por uma máquina mais avançada, à base de levitação magnética, capaz de viajar a 350 km/h e com potencial de atingir 500 km/h. Batizado de Maglev, o trem não toca os trilhos, devido a poderosos eletroímãs.
Se na Ásia a corrida segue frenética, no Brasil a ideia de implantar um trem-bala estacionou. Ou melhor, sempre volta a ser discutida, mas não sai do papel. Em 2010, a presidente Dilma Rousseff chegou a encomendar um projeto para técnicos italianos. “O plano ficou caro demais e acabou abandonado”, diz Claudio Frischtak, da consultoria em infraestrutura Inter B. Recentemente, o assunto voltou à baila. Em 2023, a empresa TAV Brasil recebeu autorização da Agência Nacional de Transportes Terrestres para construir um trem de alta velocidade no eixo Rio-São Paulo.
No entanto, a partida para a empreitada ainda não foi dada. Isso porque a companhia está fazendo os estudos de viabilidade e procurando investidores. Para alguns especialistas, é improvável que o jato sobre trilhos se materialize nestas plagas. “Não existe uma demanda que justifique o alto custo de uma obra como essa”, afirma Marcelino Aurélio, chefe do Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da UFRJ. Fora o fato de o Brasil não ter tradição em empreendimentos ferroviários, a análise se refere principalmente à mudança de comportamento do cidadão depois da pandemia. Com o avanço do modelo de trabalho híbrido, reuniões e até consultas médicas são feitas a distância. Além disso, as passagens aéreas hoje estão mais acessíveis, e obras dessa envergadura exigiriam participação financeira dos estados, já às tantas com suas dívidas. No curto prazo, por enquanto, trem-bala será algo para conhecer só fora do país.
Publicado em VEJA de 1º de novembro de 2024, edição nº 2917