Mesmo com o fim da pandemia, aviação executiva ganha velocidade
O crescimento do setor é maior do que o esperado, a ponto de fabricantes terem de adiar a entrega de novos modelos
“Há algo no ar além dos aviões de carreira.” A célebre frase do humorista gaúcho Apparicio Torelli, o Barão de Itararé (1895-1971), dita com pitadas de ironia para denunciar o vaivém das viradas políticas no Brasil, pode aqui ser oferecida ao pé da letra. E o que há de inédito? O crescimento da aviação de pequenos aviões, jatos e helicópteros. Em 2022, o país registrou uma média mensal de 80 000 pousos e decolagens de jatos executivos, alta de 30% em relação a 2020. Durante a pandemia, em razão da falta de voos comerciais e do medo das pessoas de se exporem ao vírus em ambientes confinados, o mercado decolou — era o esperado, como ocorreu em outros lugares do mundo, especialmente nos EUA. Com o controle da crise sanitária, esperava-se o pouso e até mesmo recuo do fenômeno. Não foi assim.
No Brasil, o céu está para brigadeiro, sobretudo porque os empreendedores do agronegócio, que representam 60% da fatia, usam e abusam dos jatinhos — além, é claro, de profissionais de grandes empresas. O sucesso do negócio vai na contramão da aviação comercial. O site AllPlane, que contabiliza o abre e fecha das companhias, aponta a falência de ao menos 64 empresas nos últimos anos — algumas muito conhecidas, como a Alitalia. A venda de pequenos aviões e helicópteros, contudo, cresceu, firme e forte, mesmo com o fim das quarentenas. “Comparava-se a expansão com a bolha de 2004, quando houve uma expansão semelhante”, diz Flávio Pires, CEO da Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag). “Pegos de surpresa, os fabricantes não alinharam a produção ao ritmo da alta.
A fabricação de um jato é lenta — leva cerca de nove meses, em média — e exige mão de obra mais especializada, quando comparada à da indústria automotiva, por exemplo, o que explica a dificuldade de ter em dia a pronta-entrega. No catálogo da americana Cirrus Aircraft, por exemplo, novas unidades do Vision Jet, o modelo mais cobiçado, só sairão da linha de montagem para os consumidores em 2027. “O tamanho da fila varia de acordo com o tipo do avião”, diz Sergio Beneditti, diretor comercial da Plane Aviation, representante brasileira da grife. O Vision Jet, o primeiro jatinho monomotor do mundo, foi concebido com cabine pressurizada, assentos para sete pessoas e velocidade de cruzeiro de 580 quilômetros por hora. Há 105 aeronaves iguais a essa no mundo. O valor é salgado: 4 milhões de dólares. Já a espera para receber o SR22, de 1,5 milhão de dólares, capacidade para quatro pessoas e navegação de 300 quilômetros por hora, é de seis meses. Outro muito cobiçado é o suíço Pilatus PC-24. Em todos os casos, a preocupação central, para além do conforto e autonomia, é a segurança.
Os modelos mais recentes e procurados chamam atenção pelo avanço nos sistemas de proteção. “Nossa frota tem paraquedas de emergência para a aeronave”, explica Beneditti. “Em caso de pane, por exemplo, eles transportam o avião até o solo a uma velocidade de 28 quilômetros por hora.” Presente apenas no Vision Jet, outro recurso é a inteligência artificial, batizada de safe return (retorno seguro, em inglês). Ela assume o controle do avião, se acionada, e realiza o pouso de emergência. Para isso, localiza o aeroporto mais próximo, entra em contato com os operadores, faz o plano de voo e a aterrissagem. “Já trabalhei muito para não usufruir de conforto e segurança”, diz o empresário Roberto Justus, de 68 anos, que não tem aeronave própria, mas optou pela compra do pacote de horas. “O jato executivo agiliza a minha agenda de negócios. Posso chegar cinco minutos antes de embarcar, tenho direito a concierge e catering de minha escolha durante o voo.” Ele fez os cálculos e diz gastar menos do que com a compra de passagens, sobretudo quando leva junto a família.
O sistema de banco de horas, este que atrai Justus, é muito utilizado por empresários, que voam menos de cinquenta horas por ano. “Só a necessidade de viajar mais de 400 horas no ano justifica a compra de um avião”, diz Marcos Amaro, proprietário da Amaro Aviation, que realiza o compartilhamento de aviões, trabalha com táxi-aéreo e venda de banco de horas. “Os gastos com hangar, tripulação e manutenção são altos.”
Há, ainda, um outro benefício. As empresas aéreas convencionais levam os passageiros para 160 aeroportos. Já os jatinhos podem subir e descer de 2 700 aeródromos. O leque ampliado de destinos é atração natural. Não por acaso, a maior feira de aviação de negócios da América Latina, a Labace, realizada na primeira semana de agosto, no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e que inclui a oferta de helicópteros, reuniu mais de 120 marcas e 17 000 visitantes. Não há dúvida: o horizonte brasileiro tem agora um novo desenho. Com o fortalecimento da economia, jatos e helicópteros tendem a ser ainda mais onipresentes. Há algo de novo no ar.
Publicado em VEJA de 25 de agosto de 2023, edição nº 2856