Megalomania de Elon Musk começa a cobrar preço alto e afetar negócios
Enquanto o foguete da SpaceX se desmancha no ar, Tesla e Twitter acumulam prejuízos
No espaço de apenas uma semana, o bilionário sul-africano Elon Musk, menor apenas que seu ego, o dono da verdade, sofreu inúmeros reveses. Para quem gosta de esticar a corda e testar limites, Musk foi confrontado pela dura realidade, que não se esquivou de mostrar a ele que nem sempre (pelo menos) é possível dominar o mundo. Em poucos dias, viu o foguete Starship, da SpaceX, se transformar em uma bola de poeira e fragmentos sobre o Golfo do México. Também foi surpreendido por más notícias no balanço da Tesla, a fabricante de carros elétricos e autônomos. Além de tudo isso, descobriu que mudanças propostas por ele na política de tratamento dos usuários do Twitter saíram pela culatra. Na maioria desses casos, os bolsos do gênio explosivo ficaram um pouco menos fundos. Segundo o Índice de Bilionários da Bloomberg, que monitora em tempo real o patrimônio das pessoas mais ricas do planeta, até a quinta-feira 20, ele havia perdido 13 bilhões de dólares em razão de suas estratégias.
Para quem é considerado um dos homens mais abastados do planeta, com pelo menos 150 bilhões de dólares acumulados, Musk tem alguma gordura para gastar, é bem verdade. Seus repentes, no entanto, vêm causado prejuízos faz algum tempo. Há apenas dois anos, ele era apontado pela revista Forbes como o primeiro bilionário do ranking, com uma fortuna estimada em 300 bilhões de dólares. De lá para cá, as perdas têm sido constantes e significativas. A turbulenta compra do Twitter por 44 bilhões de dólares foi um ponto de inflexão. Após assumir o comando da empresa, em outubro do ano passado, ele promoveu demissões, reduziu o tamanho das equipes dedicadas à segurança e responsabilidade interna e abriu o sistema de verificação, o selo de procedência da rede do passarinho azul, para qualquer pessoa disposta a pagar uma taxa que varia de 8 dólares por mês (usuários comuns) até 1 000 dólares mensais (empresas).
Para surpresa de absolutamente ninguém, a estratégia de Musk não funcionou. Na semana passada, a empresa removeu o selo de todas as contas que não estavam pagando pelo serviço de assinatura. Depois, destrambelhado, saiu distribuindo a marca de autenticidade a seu bel-prazer, em contas com mais de 1 milhão de seguidores — incluindo Kobe Bryant e Michael Jackson, que já morreram. Muitas celebridades que foram sagradas com o retorno da verificação correram aos seus perfis para esclarecer que não estavam pagando nada por aquilo. Entre idas e vindas, ataques e recuos, trinta dos principais anunciantes reduziram seus gastos em uma média de 40% no microblog. Além disso, o tráfego na plataforma diminui: em janeiro de 2023, já sob a batuta de Musk, o número de visitantes no Twitter caiu 2% em relação ao mesmo período do ano passado.
A confusão reverberou de forma negativa em outros negócios de Musk. A maior parte da fortuna do bilionário está ligada à montadora de automóveis Tesla, cujas ações ficaram entre as cinco de pior desempenho no ano passado. Além de problemas nas fábricas e da alta inflação americana, a empresa tem sofrido com os veículos que usam seu sistema de assistência ao motorista, nos modos piloto automático e autônomo. Segundo a Administração Nacional de Segurança Rodoviária (NHTSA, na sigla em inglês), de julho de 2021 a junho de 2022 esses carros estiveram envolvidos em 273 acidentes. Desde 2016, a agência federal investigou 35 colisões nas quais os sistemas de direção autônoma provavelmente estavam em uso. Até agora dezenove pessoas morreram.
A Tesla diz que os recursos de inteligência artificial não tornam os carros 100% autônomos e os motoristas devem estar “preparados para assumir o controle a qualquer momento”. A empresa introduziu o sistema em 2015 e o primeiro acidente fatal nos Estados Unidos foi relatado em 2016, um caso que nunca foi a julgamento. Mesmo assim, está prevista uma série de testes relacionados ao sistema de direção semiautomática, que Musk afirmou ser mais seguro do que os motoristas humanos. O empresário, a propósito, foi além. Ele prometeu — por meio de sua conta no Twitter, claro — um sistema totalmente autônomo ainda para este ano. Contudo, é preciso lembrar que Musk faz promessas desse tipo desde 2019. “A tendência é muito clara para a direção totalmente autônoma”, disse. “Acho que faremos isso este ano.”
Enquanto espera os carros andarem por aí, soltos e faceiros, Musk tem tempo para se dedicar a um de seus brinquedos mais queridos, a empresa espacial SpaceX. Criada para transportar pessoas e alcançar a “órbita da Terra, da Lua, de Marte e além”, tem colecionado algumas conquistas e muitas derrotas em busca de lugar de destaque na exploração comercial do espaço. Nem mesmo a explosão do foguete Starship, transmitida ao vivo a partir da base de lançamentos Starbase, no sul do Texas, com os requintes de uma emissora convencional, incluindo apresentadores e comentaristas, parece incomodar a claque de Musk. Apesar de saber que estavam sendo consumidos no ar cerca de 10 bilhões de dólares, a turma formada pelos funcionários aplaudiu entusiasmada o malsucedido lançamento. E lá estava o mandachuva, entre a ironia e o sorriso, acompanhando a cena.
Para ele, a rigor, pouco importa no momento a glória ou o drama. O investimento em polêmicas é quase um esporte, chamariz para as invencionices que não cessa de ampliar. No asfalto, no espaço, não há limites, em permanente afronta à ética científica e ao bom senso. A despeito dos alertas, despeja fortunas na criação de implantes cerebrais que permitam ao homem se comunicar com computadores. Em nome de uma suposta liberdade de expressão, tornou o Twitter um território em que tudo é autorizado, inclusive postagens que incitam à intolerância (leia a reportagem na pág. 26). “Usar a liberdade de expressão como desculpa é intelectualmente desonesto e moralmente falido”, disse a VEJA Orkut Büyükkökten, criador do Orkut, quando questionado sobre o CEO do Twitter. Musk dá de ombros, alheio às críticas. Ele quer mesmo é fazer barulho e muito dinheiro.
Publicado em VEJA de 3 de maio de 2023, edição nº 2839