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Ensinar inteligência artificial nas escolas é urgente, defendem especialistas

Países avançam na inclusão da IA nos currículos do ensino básico, enquanto o Brasil ainda enfrenta desafios estruturais que travam a inovação na educação

Por Marcus F. Oliveira* e Renato Cordeiro*, para The Conversation
7 Maio 2025, 18h30


A inserção da Inteligência Artificial (IA) como componente curricular no ensino fundamental e médio é um passo essencial para o Brasil acompanhar os avanços e desafios do século XXI. Vivemos em uma era em que a tecnologia permeia todos os aspectos da vida – do trabalho à saúde, da educação à comunicação – e a IA assume um papel central nessa transformação.

O mercado de trabalho passa por uma transformação vertiginosa: profissões tradicionais são automatizadas, enquanto novas oportunidades surgem, exigindo competências digitais, criatividade e adaptabilidade. Estudantes expostos à IA desde cedo desenvolvem competências essenciais, como pensamento crítico, resolução de problemas e colaboração, além de estimular empreendedorismo e inovação para desafios reais de suas comunidades.

No entanto, para que esses benefícios sejam democratizados, é crucial universalizar o acesso ao ensino de IA, tanto em escolas públicas quanto privadas de modo a reduzir as desigualdades sociais e digitais. Caso contrário, o domínio dessa tecnologia ficará restrito a uma minoria, ampliando ainda mais o abismo de oportunidades. Em outras palavras, ensinar IA a todos democratiza o acesso ao conhecimento, preparando alunos para serem protagonistas — e não apenas consumidores — da inovação.

O uso das ferramentas de IA deve ser racional e cuidadoso reconhecendo que estas não são neutras. Ela pode reproduzir vieses, disseminar desinformação ou ser empregada de modo antiético — como vimos recentemente no uso de fake news, inclusive contra as vacinas. Incluir a IA no currículo escolar permite criar um espaço para reflexão sobre ética, privacidade, uso consciente da tecnologia e os impactos sociais da automação, formando cidadãos mais críticos e responsáveis.

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Enquanto países do Norte Global já incluem a IA em seus currículos, o Brasil corre o risco de ficar para trás. Se não prepararmos as novas gerações para dialogar, competir e colaborar nesse campo, aprofundaremos nosso atraso educacional e tecnológico. Para evitar que o país fique ainda mais distante da revolução tecnológica, é urgente que governos e gestores priorizem o ensino de IA nas escolas. Sem políticas públicas consistentes e investimentos estratégicos, perderemos a chance de capacitar os jovens para os desafios da era digital.

Ética digital e pensamento computacional

Para que esse potencial se concretize, o Brasil precisa superar três desafios fundamentais, além de seguir as recomendações e propostas apresentadas em documentos recentes do governo federal: infraestrutura básica, formação docente contextualizada e currículos flexíveis que incluam IA, ética digital e pensamento computacional, adaptando as particularidades de cada faixa etária. O objetivo deve ser claro: ao concluir o ensino médio, todos os estudantes brasileiros devem ter compreensão básica sobre IA, suas aplicações, limitações e implicações éticas e sociais.

As propostas de inovação educacional precisam enfrentar desafios complexos. Dentre os diversos aspectos, deve ser considerado a enorme aversão dos docentes à mudança curriculares ou pedagógicas. Esta resistência docente é totalmente compreensível e vai além do conservadorismo ou desvalorização profissional, mas que na verdade reflete condições estruturais precárias: falta de formação digital, currículos rígidos, infraestrutura deficiente (energia instável, acesso à internet limitado, além da falta de equipamentos) que inviabilizam experimentações com IA.

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Nas cidades, transporte precário, violência e superlotação esgotam os professores. Por outro lado, na zona rural, a ausência de infraestrutura básica torna a IA uma abstração. Essa desconexão entre políticas públicas e a realidade escolar faz com que os educadores, já sobrecarregados, vejam a tecnologia mais como um obstáculo, e não como uma ferramenta valiosa de ensino. O resultado é um ciclo vicioso: sem recursos, os professores mantêm métodos tradicionais; os alunos se acostumam ao ensino estático; e o ecossistema educacional fica cada vez mais defasado.

A urgência de preparar nossos jovens para o futuro exige que a educação acompanhe as transformações tecnológicas — e isso só será possível se a IA ocupar o lugar de destaque que merece no currículo escolar.

Flexibilização curricular

A transformação necessária passa, antes de tudo, por garantir condições mínimas de funcionamento: todas as escolas precisam ter acesso de qualidade à energia elétrica, internet e dispositivos tecnológicos. Não há como falar em IA quando muitas instituições sequer contam com infraestrutura elementar. Paralelamente, é crucial desenvolver programas de formação docente que realmente dialoguem com as diferentes realidades das salas de aula brasileiras – desde as escolas urbanas com turmas superlotadas até as unidades rurais com acesso limitado a recursos.

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Outro eixo fundamental é a flexibilização curricular, permitindo que cada escola adapte as inovações tecnológicas às suas possibilidades concretas, sem engessamento burocrático. Essa adaptação só será efetiva se contar com a participação ativa das comunidades escolares – professores, alunos, gestores e famílias – no desenho das políticas, abandonando a lógica ultrapassada de soluções prontas impostas verticalmente.

Sem abordar essas questões de forma integrada, qualquer discurso sobre transformação digital na educação continuará sendo apenas retórica vazia, incapaz de romper o ciclo de exclusão que, ironicamente, reforça o próprio conservadorismo que se pretende superar. O tempo é curto, e os prejuízos de não agir agora serão sentidos por décadas na formação dos brasileiros e na competitividade do país.

O futuro já está acontecendo – e para evitar que se confirme o célebre aforismo de Millôr Fernandes (“O Brasil tem um enorme passado pela frente”), é preciso agir, e rápido.

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*Marcus F. Oliveira, Professor Titular do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis (IBqM), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e *Renato Cordeiro, Professor Emérito, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)

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