Depois de fracassar, Xiaomi garante presença no Brasil com importação
A primeira investida da maior fabricante chinesa no país não funcionou. Agora, com importação, conseguiu superar rivais
Apesar de ser a maior fabricante de smartphones da China, a Xiaomi é uma marca quase desconhecida para os consumidores brasileiros. E mesmo com o agravante de não fabricar seus produtos em território nacional, conseguiu superar a já consolidada ASUS na quantidade de celulares vendidos. Dados do mês novembro, obtidos pela consultoria StatCounter, mostram que a taiwanesa ASUS ficou com 1,09% do mercado de smartphones no Brasil, atrás da Xiaomi, com 1,12%. A coreana Samsung continua líder no mercado nacional, com 34,73%. Em seguida, aparecem a Motorola (com 28,44%), Apple (15,9%) e LG (11,6%).
Contudo, esse tímido crescimento da Xiaomi já incomodou as fabricantes nacionais. Em um anúncio atrapalhado da Anatel, que, segundo fontes do mercado, está sendo pressionada para conter o avanço de marcas chinesas, a agência resgatou em um informativo uma de suas normas sobre a proibição de importação de celulares não homologados. De acordo com a Lei Geral de Telecomunicações (Lei n.º 9.472/97), “é vedada a utilização de equipamentos emissores de radiofrequência sem certificação expedida pela Anatel”.
Na teoria, isso quer dizer que todo equipamento que emite radiofrequência, como smartphones (Wi-Fi, Bluetooth e 3G/4G) precisa passar por uma bateria de testes (certificação) e ter a documentação reconhecida pela Anatel (homologação). Mas, na prática, a regra faz parte do rol de leis que não pegaram no Brasil.
Tal legislação nunca impediu que os celulares entrassem no país e muito menos de funcionar com as operadoras locais. Em geral, as fabricantes padronizam a frequência dos aparelhos para que possam ser utilizados em qualquer banda, além do fato de que, sem efetivo suficiente, é impossível para a agência homologar todos os smartphones que passam pelos centros de distribuição dos Correios.
Investida fracassada
Apesar do crescimento repentino no mercado nacional, não é a primeira vez que a Xiaomi se arrisca no Brasil. Em julho de 2015 a chinesa anunciou a chegada ao país como parte do seu plano de expansões. A promessa era incomodar marcas grandes do mercado brasileiro, como Samsung e Motorola. A receita do negócio seria a mesma aplicada em outros países emergentes: produtos de entrada, com faixa de preços entre 500 e 1.000 reais, com processadores, memórias, telas e câmeras similares aos de modelos intermediários. Para conseguir baratear ainda mais, a empresa apostou em vendas apenas pela internet e manteve o foco da receita em sua loja de aplicativos.
Inicialmente, os cinco produtos oferecidos pela Xiaomi no Brasil eram importados – três modelos de smartphone e dois gadgets. Por isso sofriam com taxas que chegavam a 60% sobre o valor da importação. A empresa custeou a operação até conseguir trazer a montagem para a fábrica de chips Foxconn em Campinas.
Mesmo assim, os preços não baixaram muito. Na Índia, o mesmo aparelho custava cerca de 200 reais a menos. Além disso, em comparação com os aparelhos equivalentes de fabricantes conhecidas pelos brasileiros, não existiam grandes avanços tecnológicos.
Em setembro do mesmo ano, mudaram parte da estratégia. A companhia se juntou às operadoras de telefone, em um modelo de vendas similar ao que adotou na Índia e em Singapura. Além do e-commerce da marca, os celulares eram vendidos nas lojas da Vivo.
“Foi adaptação necessária ao perfil de consumo brasileiro que, diferentemente da China, tem cerca de 84% das compras de smartphones realizadas em lojas físicas”, afirma o economista indiano Anshul Gupta, diretor de pesquisas da consultoria Gartner. Mas incluir a maior operadora do país como parceira de vendas não ajudou muito no desempenho. A chinesa fechou o quarto trimestre de 2015 com pouco mais de 7.000 unidades vendidas. Em um ano com médias de 3,9 milhões de smartphones comercializados ao mês.
Os ajustes fiscais do governo também prejudicaram a empresa. A produção local da Xiaomi só aconteceu para que a fabricante conseguisse isenções tributárias, como PIS e Cofins, através da Lei do Bem e de Inclusão Digital. Para se enquadrar no benefício, os smartphones deveriam ser produzidos em território nacional, custar até 1.500 reais e oferecer um pacote mínimo de cinquenta aplicativos desenvolvidos no país.
Segundo dados do Ministério da Fazenda, um mês após a aplicação da lei, os aparelhos que se encaixavam no incentivo tiveram uma queda de cerca de 30% nos preços. Porém, a isenção antes prevista para até o fim deste ano foi previamente revogada pela presidente Dilma Rousseff, em dezembro de 2015. Logo, toda a estratégia da Xiaomi foi por água abaixo. As oscilações do dólar também pesaram. Em novembro, era 16% mais caro comprar um dispositivo Xiaomi do que no mês de lançamento.
Outra soma feita foram os ajustes sobre a regra de partilha do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A atualização aplicada em janeiro de 2016 forçou todas as lojas virtuais a repassarem os novos valores da arrecadação para os consumidores.
Para a chinesa restou uma última tentativa para alcançar clientes e desencalhar os estoques. Vender nos e-commerces das maiores lojas de varejo do país. Não adiantou. As vendas do primeiro trimestre de 2016 ficaram abaixo de 10.000 unidades, a parcela de mercado da empresa não passou de 0,1% no período de um ano. Só restava desistir, e foi isso que fizeram.
Em abril de 2016 encerraram a parceria com a Foxconn, fecharam o escritório em São Paulo e levaram parte dos colaboradores para Pequim. Agora, os aparelhos passaram a entrar no país por vontade dos compradores, e não ter um plano de vendas por aqui parece ter sido a melhor escolha para a chinesa.