Crise do Twitter causa migração de usuários, mas guerra das redes continua
Apesar do ataque da concorrência, ainda é cedo para decretar a morte da plataforma
Após a compra do Twitter pelo empresário Elon Musk, em outubro, a rede social testemunhou um êxodo jamais visto entre seus quase 400 milhões de usuários. No Brasil, onde a plataforma do passarinho azul conta com 19 milhões de participantes ativos, não foi diferente. Por aqui, quem mais saiu ganhando até agora foi o Koo, mídia indiana cujo nome incomum — a pronúncia nasceu para virar piada — teve papel preponderante para angariar a simpatia nacional. No prazo de 48 horas, a participação do país no ranking internacional de adeptos saiu do 75º lugar, com 2 000 perfis, para o segundo posto, com mais de 1 milhão de inscritos.
Representada por um singelo passarinho dourado (cópia descarada do símbolo do rival), a rede dispõe de todos os recursos do Twitter. Só que, em vez de tuitar, o usuário publica um koo, que pode ter até 400 caracteres. Republicar os conteúdos alheios também é possível — a ação é chamada de rekoos. Postar imagens e links funciona da mesma forma, assim como as tão criticadas (e úteis) hashtags. Nos bastidores, a estrutura é igualmente centralizada, baseada em algoritmos e dependente de moderação, embora os códigos sejam públicos e as regras de convivência (em português), bem mais claras. Em um esforço extra para conquistar o público brasileiro, a equipe indiana concentrou seus esforços no suporte a usuários que falam português. A conta oficial da empresa no Twitter (sim, ela tem uma) até postou fotos da turma de TI virando a noite para manter os servidores funcionando no período de migração mais intensa — o que não impediu problemas como quedas de rede.
O entusiasmo pelo serviço de nome, digamos, pouco ortodoxo não leva em conta suas origens, que podem ferir suscetibilidades ideológicas. O Koo nasceu em 2020, quando a dupla de empreendedores Aprameya Radhakrishna e Mayank Bidawatka lançou um microblog para atender melhor os falantes dos vinte idiomas e mais de 700 dialetos da Índia. No ano seguinte, um prolongado protesto de agricultores contra medidas do primeiro-ministro ultranacionalista, Narendra Modi, mobilizou as redes sociais e o Twitter se recusou a bloquear as contas de manifestantes, ativistas e jornalistas que apoiaram o movimento. O então ministro do Comércio e Indústria, Piyush Goyal, puxou a fila dos descontentes: “Agora estou no Koo”, tuitou. Foi o sinal para a rede social se transformar na preferida dos partidários do governo. Atualmente, a plataforma está avaliada em mais de 200 milhões de dólares.
Outras mídias brigam pela atenção do usuário que não está feliz com o Twitter, mas não quer migrar para um modelo semelhante, como é caso do Koo. Uma das opções é o alemão Mastodon, que traz de volta um ambiente mais colaborativo, como nos primórdios das redes. Criado em 2016 por Eugen Rochko, trata-se de uma plataforma hospedada em servidores independentes, que não são propriedade de alguém, mas se comunicam. “Cada instância é uma pequena comunidade, e as pessoas que fazem parte ajudam a moderar”, diz Guto Carvalho, desenvolvedor e criador da comunidade bolha.us, com cerca de 1 000 pessoas. O Mastodon possui 8 milhões de usuários no mundo, dos quais cerca de 250 000 no Brasil.
Apesar do ataque da concorrência, ainda é cedo para decretar a morte do Twitter. Especialistas dizem que ele está apenas passando por um choque cultural típico de empresas que mudam de comando. “O bilionário mexicano Carlos Slim fez isso em seu conglomerado de comunicação, os donos da Ambev também”, lembra o especialista em transformação digital André Miceli, da FGV. “O Twitter vai voltar a crescer no futuro.” Por enquanto, Musk está empenhado em enxugar a máquina e reativar contas de banidos como o ex-presidente Donald Trump e o rapper Kanye West, em nome da liberdade de expressão. Resta saber se, no fim da ventania, os usuários rebeldes vão retornar ao ninho do célebre passarinho azul.
Publicado em VEJA de 7 de dezembro de 2022, edição nº 2818