Crescem os ataques de criminosos em apps de relacionamentos
As empresas, no entanto, dizem que é possível namorar com segurança
É inegável a transformação promovida pelos aplicativos de relacionamento. Quando foi lançado, em 2012, o Tinder facilitou a conexão entre pessoas ao introduzir um simples movimento de dedos para sugerir a atração. Nos últimos dez anos, o mecanismo se tornou regra entre aqueles em busca de parceiros e a “gamificação” dos encontros deu origem a uma série de outros aplicativos, incluindo variações com atenção ao público feminino ou destinados a gays. O problema, porém, é que essas ferramentas também se tornaram um meio para criminosos atacarem vítimas desprotegidas.
Dados chocantes divulgados pela Secretaria de Segurança Pública apontam que nove em cada dez sequestros realizados em São Paulo estão relacionados a conexões feitas por meio de ferramentas de relacionamento. Em 2022, foram 94 ocorrências do tipo. Existem quadrilhas que atuam especificamente com crimes semelhantes. O número de encarcerados em golpes do tipo também assusta. Nos primeiros três meses deste ano, a polícia de São Paulo já prendeu 58 sequestradores. Os criminosos estudam suas vítimas, pesquisando aquelas que ostentam estilo de vida luxuoso em outras redes sociais. São homens, em geral mais velhos, que posam ao lado de carros importados, em viagens ou usando itens de alto valor, como relógios. Em seguida, “dão match” no app, usando perfis falsos, e marcam encontros na casa das vítimas. Elas são mantidas reféns, sob ameaça de violência, enquanto transferências bancárias são feitas e pertences são levados.
Os sequestros não são os únicos riscos envolvendo o uso das redes sociais. Há um contingente crescente de homens que estabelecem vínculos, principalmente com mulheres, para realizar golpes. Usam fotos verdadeiras, para driblar a segurança digital, e nomes falsos. Depois de alguns encontros, inventam histórias para pedir dinheiro às vítimas. Já envolvidas no relacionamento, algumas contraem dívidas para ajudar o parceiro. Em seguida, os golpistas somem.
Alguns criminosos se tornaram célebres. No Brasil, Renan Augusto Gomes, apelidado de “galã do Tinder”, foi condenado a quatro anos e seis meses de prisão por estelionato. Gomes, que se apresentava nas redes como o empresário Augusto Keller, foi preso em setembro em São Bernardo do Campo, depois de aplicar um golpe que causou prejuízo de 150 000 reais a uma mulher da cidade. Outras vítimas revelaram situações semelhantes. O criminoso pedia empréstimos ou quantias em dinheiro para manter uma empresa que não existia.
O golpista mais famoso é o israelense Shimon Yehuda Hayut. Apresentando-se como Simon Leviev, ele enganava suas vítimas ao oferecer um estilo de vida luxuoso, repleto de jantares a bordo de jatos privados e presentes caros. Dizia-se perseguido por “inimigos”, e enviava fotos mostrando que havia sido ferido em ataques. Ao notar que a vítima engolia a fajuta história, pedia empréstimos para cobrir despesas. Depois, forjava documentos sobre transações bancárias falsas e cortava quaisquer contatos com as mulheres com quem se relacionava. Sua história foi apresentada no documentário O Golpista do Tinder, da Netflix, dirigido pela cineasta Felicity Morris e indicado a cinco prêmios Emmy. O filme é baseado nos depoimentos de três mulheres, a norueguesa Cecilie Fjellhøy, a sueca Pernilla Sjoholm e a holandesa Ayleen Charlotte. Mas ele fez várias outras vítimas, e estima-se que tenha roubado algo como 10 milhões de dólares. Em 2015, foi condenado a dois anos de prisão na Finlândia, e em 2019, a quinze meses de detenção em Israel, e ainda é procurado em outros países da Europa. Além disso, foi banido para sempre do Tinder e de outros mecanismos de relacionamento.
São exemplos extremos, mas mesmo em menor escala os perigos continuam. “Qualquer relação humana envolve alguns riscos, não negamos isso”, afirma Javier Tuirán, diretor de comunicações do app Bumble para a América Latina. “Se você vai a um bar para conhecer alguém, sabe que é preciso tomar cuidado.” As empresas por trás dos aplicativos dizem que ampliam ao máximo a segurança para minimizar as oportunidades de golpes. O Bumble, por ser focado em mulheres, coloca nas mãos delas a iniciativa. Ou seja, apenas as mulheres podem dar o primeiro passo para iniciar um contato. Além disso, oferece um modo anônimo além de um chat que reconhece o uso de palavras ofensivas ou abusivas imediatamente, entre outros dispositivos. “A internet pode ser um ambiente hostil especialmente para as mulheres, e tentamos construir um espaço em que todos se sintam seguros”, diz Tuirán.
Maior app de relacionamento do mundo, o Tinder exige uma série de verificações de segurança, como o cadastro de diferentes fotos e a verificação de cada perfil criado, na tentativa de evitar golpes. Por e-mail, a empresa se posicionou sobre a adoção dessas medidas. “Os crimes não têm lugar na nossa plataforma, e é por isso que lançamos recursos de segurança como verificação de perfis e videochat para que os usuários possam ajudar a confirmar que seu match é a pessoa das fotos do perfil”, diz o comunicado.
O uso dos aplicativos pode ser positivo. Basta acompanhar os relatos de pessoas que se conheceram pelo Tinder, Bumble ou Grindr e mantêm sólidos relacionamentos. O Tinder não divulga dados de usuários cadastrados na plataforma, mas analistas estimam que o número passe dos 75 milhões. O Brasil é um dos principais mercados. O sistema simples de conexão caiu no gosto dos brasileiros, que chegam a abrir o app onze vezes por dia, dentro da média mundial.
O problema é que os perigos persistem. Obviamente, ninguém sugere o fim dos aplicativos, mas é preciso que as empresas criem regras ainda mais severas para oferecer tranquilidade aos usuários. Algumas precauções são indispensáveis. Segundo as autoridades, o primeiro encontro deve ser feito sempre em locais públicos e é preciso avisar amigos e familiares sobre o local e hora combinados. O amor não pode ser contido, mas a segurança deve vir em primeiro lugar.
Publicado em VEJA de 5 de abril de 2023, edição nº 2835