Como a inteligência artificial está ajudando a criar ciência ruim
Estudo da Universidade de Surrey, no Reino Unido, mostra que ferramentas virtuais e a facilidade de acesso a grandes volumes de dados produzem resultados ruins

Um estudo recente da Universidade de Surrey, no Reino Unido, acende um alerta na comunidade científica sobre o aumento expressivo de artigos acadêmicos que utilizam o banco de dados de saúde e nutrição dos Estados Unidos, National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES). A pesquisa, publicada na revista PLoS Biology, sugere que a facilidade de acesso a grandes volumes de dados, combinada com o uso de ferramentas automatizadas, incluindo inteligência artificial, pode estar impulsionando a produção de estudos de baixa qualidade e com descobertas potencialmente questionáveis.
Os pesquisadores, liderados por Tulsi Suchak, observaram um crescimento drástico no número de publicações baseadas no NHANES a partir de 2022. Enquanto a média anual entre 2014 e 2021 era de quatro artigos, esse número saltou para 33 em 2022, 82 em 2023, e atingiu 190 apenas até outubro de 2024. Esses trabalhos frequentemente aparecem em revistas de impacto moderado.
O estudo aponta problemas centrais nessas publicações. Muitas investigam condições de saúde complexas, como depressão ou doenças cardíacas, focando em apenas um fator isolado, ignorando a multiplicidade de causas e a interação entre elas. Essa abordagem simplista eleva o risco de conclusões incompletas ou enviesadas.
Outra preocupação é a falta de rigor estatístico. Frequentemente, os estudos não aplicam correções para o risco de encontrar resultados significativos por mero acaso, os chamados falsos positivos. Os pesquisadores também notaram o uso seletivo de dados, onde apenas partes do NHANES são utilizadas sem justificativa clara, levantando suspeitas de que os dados são escolhidos para confirmar hipóteses predefinidas.

A facilidade de gerar resultados e manuscritos rapidamente com ferramentas automatizadas torna esses estudos repetitivos atraentes para as chamadas “paper mills” (literalmente, fábricas de papel), organizações que produzem e vendem artigos científicos de baixa qualidade. A inteligência artificial, segundo os autores, pode acelerar ainda mais essa produção. O estudo também destaca uma mudança geográfica, com um aumento significativo de autores principais afiliados a instituições na China nos últimos anos.
Diante deste cenário, os pesquisadores recomendam maior rigor por parte de editores e revisores, incluindo a rejeição de artigos formulaicos e a consulta a especialistas em estatística, visando preservar a credibilidade da ciência.