Ah, os orgulhosos computadores
A dureza de achar um imóvel por meio de inteligência artificial
A cada dia que passa, os computadores devoram mais tarefas. No início, eram folha de pagamento, contabilidade e estatística. Sucesso estrondoso, por ser mais perfeito, mais barato e eliminar o trabalho monótono. Mas certas tarefas permanecem inatingíveis: devo me casar com a Mariquinha? É resposta que nem mesmo a inteligência artificial consegue dar.
Para achar imóveis, a internet é imbatível. Mas, buscando um apartamento para alugar, vivi as agruras de uma imobiliária que migrou a burocracia para seus orgulhosos computadores. No meu caso, ela se atrapalhou. São três empresas encadeadas. Onde estão as portas de entrada? Tudo é em São Paulo. O e-mail entra na fila para ser respondido, são dias de espera. O algoritmo de avaliação de cadastros é impenetrável e monossilábico. Não diz se ajuda incluir o rendimento de parentes. Ou se está certa a titularidade do pedido. E a certidão, foi aceita? Incluo rendas no exterior? Meu contador não entendeu nada. Com humanos não se fala, nem mesmo ao telefone. Levei bomba sem saber exatamente o porquê.
Foram muitos dias e mais de cinquenta e-mails, esgrimindo com uma informática misteriosa e tripulada por humanos que não usam o dom da voz ou da inteligência. Muito menos o da cortesia. O veredicto foi sumariado pela lapidar frase (via e-mail): “O seu cadastro não foi aprovado, tá?”.
“Diante do longo e tortuoso caminho, fugi para a velha e reconfortante solução: um corretor de carne e osso”
Para que saiba o leitor, minha renda é amplamente superior à exigida para o cadastro, e minha ficha na Serasa, que autoriza ou recusa o fornecimento de crédito, é virgem. O que aconteceu? Ao reclamar, a própria empresa reconheceu que o algoritmo se atrapalha com pessoa jurídica, não sabe lidar com múltiplas fontes de renda nem diz como toma suas decisões. Mas não confessa que tropeçou. Tudo é segredo insondável. É a volta da Santa Inquisição, em que o réu era julgado sem saber de que estava sendo acusado. Condenado sem conhecer o crime.
Inovadores pagam o preço dos erros. Mas será que eu também os tenho de pagar? Fui vitimado pela combinação de informática velha — com sites que travam e labirintos misteriosos — com um algoritmo novo que se perdeu na complexidade do meu caso, que não é tanta. Ao reduzir o papel dos humanos, o computador fica à mercê de algum programador simplório, perdido por aí. Pobres das cobaias que sofrem com os titubeios dos computadores.
Imagino que a empresa do futuro conseguirá manejar situações simples e lidará bem com as suas falhas humanas e informáticas — que se atrapalham entre si. A inteligência artificial avança, pela via de uma longa curva de aprendizado com os humanos. Mas, se os humanos são burros ou bobões, mais tempo isso levará. É a regra do jogo.
Diante do longo e tortuoso caminho, fugi para as velhas e reconfortantes soluções. Um bom corretor de imóveis, de carne e osso, sabe com quem está lidando e procede de acordo. Diante da humilhante derrota, corri para outra empresa, onde fui calorosamente recebido. “Claudio, vem cá que resolvemos tudo.”
Publicado em VEJA de 16 de outubro de 2019, edição nº 2656