A tecnologia é animal: as inovações por trás dos espetaculares documentários sobre bichos
Uma avançada coleção de equipamentos transforma as atrações em ferramentas de fascinação e luta contra os danos ambientais

Uma câmera instalada nas costas de uma baleia cachalote mergulha até o fundo do oceano e registra, pela primeira vez, o momento exato em que o animal captura uma lula. Um drone com lente de longo alcance acompanha um filhote de pinguim saltando de um grande bloco de gelo, em queda vertiginosa da qual os cinegrafistas nem sequer sabiam se ele sairia vivo. Um algoritmo treinado com 66 000 imagens detecta feridas em animais selvagens com 95% de precisão e em apenas quatro segundos. Esses são apenas alguns exemplos de como a tecnologia vem revolucionando os documentários de natureza — aproximando o público dos animais, revelando comportamentos até então invisíveis e gerando dados valiosos para a ciência.
Sem essas ferramentas, séries como The Americas, produzida pelo BBC Studios e exibida pelo Disney+, não viriam à luz com a qualidade que emanam. “Há vinte sequências que seriam impossíveis de filmar cinco anos atrás”, disse a VEJA Mike Gunton, produtor-executivo do programa em dez episódios narrado por Tom Hanks. Os recursos de inteligência artificial (IA) facilitaram a localização de muitas espécies, investigadas como quem vai ao olho do furacão. “Os drones, cada vez mais potentes, nos permitiram tirar a câmera do tripé e fazê-la voar como a fauna”, conta Gunton. A série, que levou cinco anos para ser concluída e envolveu mais de 180 expedições, apostou também em sensores de presença, câmeras de alta velocidade e engenhocas dignas de Star Wars. Uma das invenções foi uma microcâmera projetada para suportar a pressão do oceano. Outra: um equipamento colado ao corpo de uma baleia cachalote sem causar incômodo que se desprende automaticamente após a filmagem — o que permitiu capturar, pela primeira vez, o comportamento predatório do animal.

Em Segredos dos Pinguins, coprodução da BBC com a National Geographic, os cinegrafistas usaram drones silenciosos e lentes de zoom potentes para registrar hábitos delicados, como rituais de socialização, disputas territoriais e até interações afetuosas. “As novas tecnologias autorizam aproximação e intimidade inéditas”, disse a VEJA o diretor de fotografia da série, Bertie Gregory. O apoio de biólogos foi crucial, por identificarem movimentos e deles extrair ideias de filmagens. A ausência de predadores terrestres em algumas regiões permite que os pinguins se aproximem naturalmente das câmeras, criando cenas que mais parecem episódios de uma novela dramática.
Resultado: o impacto deixa de ser apenas estético. Produzido no Canadá, All Too Clear, que pode ser visto no YouTube, investiga os efeitos de espécies invasoras nos Grandes Lagos — sistema de água doce que se estende entre os Estados Unidos e o Canadá — por meio de câmeras subaquáticas de última geração. As imagens resultaram em um retrato detalhado da degradação ambiental causada pelos mexilhões-zebra e, de quebra, revelaram um navio naufragado há 128 anos no fundo do Lago Huron. Já em Airborne, série sobre animais voadores da Sky, câmeras capazes de gravar 1 000 quadros por segundo revelaram disputas entre beija-flores e o balé aéreo de insetos com uma riqueza de detalhes impossível de ser percebida a olho nu.

Além da inovação, os documentários modernos cumprem papel político. “É como assistir ao vivo à evolução das espécies e os riscos ambientais, hoje multiplicados”, diz Pablo Borboroglu, pesquisador argentino e coprodutor da série dos pinguins, que estuda os animais há mais de trinta anos. A série mostra como o aquecimento global encurtou o período de formação do gelo marinho, obrigando filhotes a nadar antes de estarem prontos. O colapso climático está alterando o ritmo da natureza e tornando o imprevisível ainda mais extremo. Ao retratar com precisão e emoção a dura vida dos animais, produtos audiovisuais de fazer cair o queixo encantam o público e, ao mesmo tempo, lançam luz sobre a urgência e a necessidade de protegê-los. É fascinante e compulsório.
Publicado em VEJA de 9 de maio de 2025, edição nº 2943