A presença constante na internet faz surgir nova neurose comportamental
O aumento vertiginoso do uso de aplicativos e plataformas de videochamada gera pensamentos paranoicos
O advogado e comentarista Jeffrey Toobin, muito conhecido nos Estados Unidos por seu trabalho na revista The New Yorker e na CNN, viveu um incidente no mínimo inusitado dois meses atrás. Ao que tudo indica, ele esqueceu a câmera do computador ligada em uma videoconferência, via plataforma Zoom, e acabou cometendo um erro fatal para sua carreira: foi flagrado se masturbando. Sem fazer juízo de valor quanto às preferências de Toobin, o caso traz à tona uma preocupação crescente das pessoas que trabalham remotamente: o risco de ser pego em situações delicadas e o estado de constante alerta para evitar que isso aconteça.
Apelidado de Fobo, fear of being on (medo de estar on-line), o receio está virando neurose. Sinal dos tempos, o aumento vertiginoso do uso de aplicativos e plataformas de videochamada gera pensamentos paranoicos. Desliguei a câmera? Cliquei para fechar o som antes de gritar com o cachorro? Lavei o rosto antes de entrar na reunião? Será que viram o que esqueci na estante atrás de mim?
Uma vez que a adoção de reuniões remotas é um procedimento que veio para ficar — Google Meet e Zoom ganham cada vez mais usuários —, a única forma de combater o medo de gafes e descuidos é adotar alguns hábitos compulsórios quando for entrar on-line, seja pelo computador, seja pelo smartphone. Especialistas recomendam conferir a aparência e o modo como está vestido, exatamente como se fosse uma reunião presencial. É sempre bom dar uma olhada no ambiente antes de começar: o lugar da reunião precisa ser apropriado, silencioso e discreto. Quanto ao sistema de bloqueio de som e imagem, aconselha-se dominar completamente o dispositivo que estiver usando. Além disso, toda vez que terminar de falar, é melhor apertar “mudo”. Se virar um hábito natural, deixará de ser neurose, como quando se ganha experiência ao dirigir e os movimentos se tornam naturais.
O medo de estar on-line, embora possa parecer tolo, não é gratuito. Afinal, um incidente aparentemente banal é o suficiente para gerar embaraços que vão desde o desconforto entre colegas até a demissão, como ocorreu com Toobin. Além das inconfidências autoinfligidas, a privacidade está sujeita a ataques de terceiros. No ano passado, foi descoberta uma falha no Zoom que permitia que hackers controlassem a câmera de computadores, inclusive para invadir reuniões e videochamadas caso não estivessem protegidas por senha.
Vale destacar que ameaças à privacidade não se concentram apenas no Zoom. À medida que atraem mais usuários, sites e aplicativos estão sujeitos a fraudes e exposição externa. Sob diversos aspectos, o mundo virtual é uma guerra sem trégua entre provedores de serviços e criminosos — uma dança interminável de inteligência e contrainteligência. O Zoom tem sido o alvo preferido, pois ocupa a primeira posição na preferência dos usuários. Embora exija cautelas, o fenômeno não deveria ser motivo de pânico, uma vez que falhas de segurança costumam ser detectadas e corrigidas, na maioria dos casos, em questão de horas pelas plataformas.
O termo Fobo foi criado pela designer Holly Allen, do site Slate. Segundo ela, o medo de estar on-line é definido como uma ansiedade que culmina na necessidade de verificar se a pessoa está mesmo invisível aos olhos da tecnologia — algo que, na prática, ninguém pode garantir. Na verdade, a sigla é uma variação do Fomo, seu primo mais conhecido, acrônimo de fear of missing out, ou medo de ficar de fora, que consiste na vontade irrefreável de absorver todo o conteúdo possível das redes sociais, sem perder nenhum show, notícia, anúncio ou atualização no Facebook, por exemplo. Igor Lemos, psicólogo da escola Cognitiva Scientia, acredita que a pandemia funcionou como um gatilho para disparar sintomas que já existiam, aumentando sua frequência: “Muito antes de 2020, eu já tinha pacientes que relatavam sintomas desse tipo, como medo preocupante de fazer ligações sem querer”. No Brasil, estima-se que a dependência digital já atinja mais de 4,3 milhões pessoas, 25% delas adolescentes. O índice brasileiro de permanência na internet é um dos mais altos do mundo: mais de nove horas em média, contra menos de sete horas de outros países.
O problema de tendências como o Fomo e o Fobo, segundo estudiosos do assunto, é que suas cicatrizes podem ser mais duradouras e profundas do que se pensa, afetando o comportamento social e a saúde mental. Pensamentos obsessivos, que geram perturbações emocionais e apreensão, não são inteiramente compreendidos pelas pessoas. Mais alarmante é o fato de que são poucos os brasileiros que buscam informações sobre as consequências advindas do uso exagerado da internet. Por outro lado, abrir mão dos serviços que o mundo virtual oferece não seria prático. Estudo a distância, transferências financeiras, compras e, no caso em evidência, comunicação remota com colegas de trabalho são atividades já efetivamente implementadas na sociedade. O melhor é se adequar a elas, seguindo as regras da boa convivência. Se começar a relaxar demais, lembre-se do flagrante de Toobin.
Publicado em VEJA de 13 de janeiro de 2021, edição nº 2720
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