Verdades e mitos sobre a creatina, o suplemento mais procurado do mercado
Hoje, o principal motivo para tomar o produto é incrementar ou conservar a musculatura

Em 1832, o químico francês Michel Chevreul (1786-1889) descobriu um composto que poderia ser extraído das carnes e, em referência ao nome grego do alimento (kreas), batizou-o de creatina. Os experimentos com o nutriente seguiram em frente, sempre em fogo brando e sem causar tanto chamariz, até que, na década de 1990, dois estudos clínicos revelaram as vantagens de ingeri-lo aos praticantes de esportes. Em um primeiro momento, o suplemento ficou confinado ao mundo dos atletas e marombeiros. Agora, quase dois séculos depois de sua descrição, a creatina ganhou holofote nos centros de pesquisa, quebrou barreiras de público e viu sua demanda decolar entre os adeptos dos exercícios em geral.
O interesse se reflete nos números de buscas e vendas na internet. Desde 2020, a procura pelo termo no Google aumentou mais de quatro vezes, e, em 2022, o produto se tornou o item mais vendido pelo Mercado Livre. Nos últimos anos, o suplemento chegou a bater o famoso whey protein como ingrediente mais cobiçado pelos brasileiros que frequentam academias. Seguindo as leis da economia, a fome de creatina repercutiu no preço: há cinco anos, uma das marcas mais populares do país vendia um pote a 41 reais; hoje, o mesmo produto custa 110 reais.
O sucesso tem sua razão de ser, apesar dos mitos difundidos. “A maioria dos suplementos é ineficaz, mas a creatina é um dos mais estudados e está entre os poucos com benefícios fundamentados cientificamente”, diz o nutricionista Hamilton Roschel, do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da USP. Junto aos maiores especialistas no assunto do planeta, o professor brasileiro é um dos autores de uma nova revisão que consolida o que realmente se sabe sobre o suplemento em termos de segurança, efeitos e indicações. No trabalho, os experts ressaltam que os benefícios ao corpo ocorrem apenas entre quem sua a camisa (não, não há milagre!) e contrapõem crenças como a de que o pó ou as cápsulas afetariam a fertilidade ou causariam câncer.
Hoje, o principal motivo para tomar creatina é incrementar ou conservar a musculatura. Dentro do organismo, a substância ajuda a reciclar uma molécula envolvida no gasto energético, elevando ligeiramente a força e a potência muscular. “É um suplemento que deve ser mais direcionado a atletas, num contexto em que pequenos ganhos fazem diferença nas competições”, afirma o educador físico Bruno Gualano, outro professor da USP que assina a revisão. “Não quer dizer que ele não possa ser utilizado por amadores, mas, se eles depositarem todas as fichas na creatina, provavelmente se frustrarão.”

De fato, é preciso calibrar as expectativas antes de apelar ao produto. Os efeitos, registre-se, são limitados e observados apenas por quem pratica exercícios regularmente. Ainda assim, alguns grupos colhem mais vantagens com o uso orientado, caso de pessoas com restrições alimentares, vegetarianos e idosos. Isso porque, embora nosso corpo seja capaz de sintetizar esse conjunto de aminoácidos, a maior parte do que se obtém vem de alimentos de origem animal. No caso das pessoas mais velhas, que perdem massa magra de forma mais acentuada, a inclusão na rotina, acompanhada de sessões de musculação, ganha relevância.
Não significa que outros trunfos dignos de nota não venham à luz nos próximos anos. Hoje há uma série de estudos apurando o potencial da creatina no fortalecimento dos ossos, no suporte ao tratamento do câncer e até na melhora da cognição. Enquanto se aguardam os próximos capítulos dessa história, a recomendação é partir para o suplemento de preferência sob orientação profissional — é o que permitirá cravar se fará sentido ou não aderir ou manter o composto na rotina. Nesse sentido, cabe notar que, com a popularização da categoria, também surgiram itens adulterados ou que pecam em qualidade. “É fundamental verificar a reputação da marca antes de comprar”, diz a nutricionista esportiva Débora Moreira, de São Paulo. Vale uma checagem, por exemplo, na lista de produtos testados e aprovados pelas entidades mais confiáveis do mercado, assim como conferir a avaliação periódica divulgada pelas agências reguladoras. É assim, munidos de informação e com o devido cuidado, que a creatina pode virar uma parceira no treino.
Publicado em VEJA de 31 de janeiro de 2025, edição nº 2929