Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

Vacina que é arma contra câncer esbarra em cobertura abaixo da meta

Vencer essa barreira é crucial para eliminar o HPV, que está por trás do câncer de colo de útero

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jun 2024, 17h11 - Publicado em 23 mar 2024, 08h00

Há cinquenta anos, o cientista alemão Harald zur Hausen sugeriu pela primeira vez que um patógeno altamente transmissível, o papilomavírus humano, estaria por trás do câncer de colo de útero, um dos mais prevalentes entre as mulheres. Ele levou uma década para provar sua hipótese. Graças a essa descoberta, reverenciada com o Nobel de medicina em 2008, o mundo tomou conhecimento de que o HPV abria caminho a tumores e que seria possível desenvolver uma vacina que, ao bloquear o vírus, preveniria o câncer. Essa arma se tornou uma realidade e, neste mês, completa dez anos de distribuição gratuita pelo governo brasileiro. Trata-se de uma estratégia segura e eficaz que, no entanto, patina nas taxas de cobertura por ser alvo de ignorância e fake news, o que põe em risco a imunização e a proteção do público a que se destina o produto, meninas e meninos de 9 a 14 anos.

A literatura médica aponta que até 12% dos cânceres têm relação com algum tipo de vírus. O HPV é um deles. Nem sempre a infecção terá grandes repercussões — muitas vezes, será debelada pelo próprio organismo. Ocorre que alguns subtipos virais, os mesmos contemplados na vacina, aumentam a propensão a tumores no útero, na boca, na garganta, na vagina, no pênis e no ânus — sem falar que outras variantes do micróbio causam verrugas genitais. O ponto é que a maioria das pessoas com vida sexual ativa trava contato com o HPV, e o preservativo não é uma barreira 100% eficiente contra a transmissão.

Crédito: Rodrigo Nunes/MS 09.03.2015 Lançamento da campanha de vacinação contra HPV   Local: Belo Horizonte (MG)   Foto: Rodrigo Nunes/MS https://www.flickr.com/photos/ministeriodasaude/16580223160/
PREVENÇÃO - De graça: imunizante é ofertado a meninas e meninos de 9 a 14 anos (Rodrigo Nunes/MS//)

Daí a relevância de um imunizante largamente testado para essa finalidade. Suas doses permitem reduzir drasticamente o perigo de uma condição com impactos agressivos do ponto de vista tanto individual como da saúde pública — a projeção é de 17 000 novos casos de tumores de colo de útero por ano no Brasil. Ter à mão uma fórmula anticâncer, contudo, não foi suficiente para o êxito da campanha de vacinação. Episódios de jovens no Acre que apresentaram dor de cabeça, desmaios e convulsões após as doses levaram a um temor coletivo que ainda hoje depõe contra a vacina — um estudo da USP comprovou que as reações foram apenas efeitos psicológicos. Soma-se a isso o receio de alguns pais de que o imunizante instigue os jovens a iniciar a vida sexual mais cedo, outro argumento desmentido por pesquisas. Com a interrupção da vacinação nas escolas, a adesão só piorou. O balanço do Ministério da Saúde, com dados de 2014 a 2023, mostra que, entre as meninas, a cobertura vacinal da primeira dose é de 75%, índice que cai para 58% na segunda. Entre os meninos, as taxas são de 52% e 33%, respectivamente.

Os números abaixo da meta tornam distante por aqui a execução do plano da Organização Mundial da Saúde (OMS) de eliminar a doença que mata uma mulher a cada dois minutos no globo até 2030. Há muito trabalho pela frente. “As experiências de sucesso com a vacinação, como as taxas de 90% na Austrália, ocorrem em locais que imunizam as crianças nas escolas”, diz a oncologista Angélica Nogueira Rodrigues, do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA). Mesmo com índices abaixo do ideal, o imunizante quadrivalente disponível na rede pública e a versão nonavalente ofertada pela rede privada têm impactado nas infecções. Um estudo com a população brasileira atestou o poder do imunizante na vida real. Ao comparar jovens de 15 a 26 anos não vacinados com aqueles imunizados, notou-se uma diferença significativa na incidência do HPV: 15% no primeiro grupo, ante 3% no segundo. “Quando di­mi­nuí­mos a circulação do vírus, até quem não foi vacinado acaba protegido”, afirma Eliana Wendland, epidemiologista do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, e líder da investigação.

Continua após a publicidade

arte HPV

Além da aplicação da vacina, o cerco ao patógeno cancerígeno se amplia com uma nova tecnologia que passará a ser fornecida pelo sistema público. É o teste molecular para detecção do HPV, capaz de antecipar em dez anos o diagnóstico de lesões e uma alternativa ao método tradicional, o papanicolau, nem sempre acessível. Nos estudos científicos, outra proposta é mapear moléculas no sangue que ajudem a nortear o tratamento assim que o tumor é identificado. “Nossa ideia é encontrar biomarcadores ligados à resposta imune das pacientes”, diz o pesquisador Kenneth Gollob, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Sim, a caçada se intensificou. Resta às autoridades e famílias fazerem sua parte. Afinal, há uma vacina contra o câncer no SUS.

Publicado em VEJA de 22 de março de 2024, edição nº 2885

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.