Uruguai legaliza eutanásia e se torna primeiro país da América Latina a permitir a prática
Após cinco anos de debate, nova lei autoriza médicos a realizarem o procedimento em pacientes com doenças incuráveis e sofrimento considerado insuportável

O Senado do Uruguai aprovou, na última quarta-feira, 15, uma lei que descriminaliza a eutanásia, permitindo que pessoas com doenças graves e sofrimento considerado insuportável possam solicitar ajuda médica para encerrar a própria vida. O país se torna o primeiro da América Latina a adotar a medida por meio de legislação parlamentar.
A votação encerra um processo de cinco anos de debate e coloca o Uruguai ao lado de nações europeias como Bélgica e Holanda, que regulamentaram a prática há mais tempo. A lei, batizada de “Lei da Morte Digna”, foi aprovada por 20 dos 31 senadores e já havia recebido o aval da Câmara dos Deputados em agosto. Falta agora a regulamentação pelo governo.
Embora Colômbia e Equador também permitam a eutanásia, nesses países a prática foi descriminalizada por decisões das cortes constitucionais, e não por meio de leis aprovadas no Legislativo.
Durante o debate, parlamentares da coalizão governista Frente Ampla afirmaram que a proposta responde a uma demanda crescente da sociedade. “A opinião pública está nos pedindo para assumir isso”, disse a senadora Patricia Kramer, uma das defensoras da proposta.
Outros legisladores compararam o avanço da eutanásia à legalização do divórcio, do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo gênero, todos já reconhecidos no país. “A vida é um direito, mas nunca deveria ser uma obrigação porque os outros não entendem esse sofrimento insuportável”, afirmou o senador Daniel Borbonet, ao citar relatos de pacientes com doenças irreversíveis.
A votação também foi acompanhada por ativistas, entre eles Beatriz Gelós, de 71 anos, paciente com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), uma das principais vozes em defesa da eutanásia. “É uma lei de compaixão, muito humana. Me daria uma paz incrível ver isso aprovado”, disse ela dias antes da votação.
A principal resistência veio da Igreja Católica. Antes da votação, o arcebispo de Montevidéu, Daniel Sturla, pediu que os uruguaios “defendessem o dom da vida e lembrassem que toda pessoa merece ser cuidada, acompanhada e apoiada até o fim”. Ainda assim, a influência religiosa tem diminuído no país, que há décadas adota políticas de Estado laicas e de perfil liberal – entre elas, a proibição de menções a Deus em juramentos de posse e a substituição do nome “Natal” por “Dia da Família”.
A nova lei autoriza a eutanásia desde que realizada por um profissional de saúde, mas não o suicídio assistido, em que o próprio paciente administra a dose letal de medicamento. Além disso, o texto não impõe prazos máximos de expectativa de vida, como ocorre em legislações da Austrália ou dos Estados Unidos. O procedimento pode ser solicitado por qualquer pessoa diagnosticada com doença incurável que cause sofrimento físico ou psíquico “insuportável”, desde que considerada mentalmente capaz de tomar a decisão.
O texto determina que o paciente seja avaliado por dois médicos, responsáveis por confirmar tanto a gravidade da condição quanto sua capacidade mental para dar consentimento. Casos que envolvem transtornos mentais, como depressão, não estão totalmente excluídos, mas exigem análise mais criteriosa. A única restrição explícita é em relação a menores de idade, que não poderão ter acesso ao procedimento, ao contrário do que ocorre na Bélgica, Colômbia e Holanda.
As autoridades elogiaram a aprovação da lei por reforçar a reputação do Uruguai como uma das nações mais socialmente liberais da região. Vale lembrar que país foi o primeiro no mundo a legalizar a maconha para uso recreativo e aprovou uma legislação pioneira que permite o casamento entre pessoas do mesmo gênero e o aborto há mais de uma década.
“Este é um evento histórico, que coloca o Uruguai na vanguarda na abordagem de questões profundamente humanas e sensíveis”, disse a vice-presidente Carolina Cosse.