“Uma variante muito diferente é o pior cenário que pode acontecer”
Não se sabe se este é o caso da Ômicron, variante que alarma o mundo, disse a VEJA o médico Renato Kfouri. É preciso esperar os resultados das pesquisas
A Ômicron, nova variante do SARS-CoV-2, vírus que provoca a Covid-19, identificada na África do Sul, carrega cinquenta mutações – algo nunca visto antes – sendo mais de trinta na spike, proteína que o coronavírus usa para entrar nas células e alvo da maioria das vacinas contra a doença. A Organização Mundial da Saúde a considerou mais uma cepa de preocupação. Isto significa que ela pode apresentar alterações genéticas que mudam o grau de transmissibilidade do vírus, a severidade de doença por ele causada, sua capacidade de escapar do sistema imunológico, de testes diagnósticos e dos tratamentos. VEJA conversou com o médico infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) sobre o impacto da Ômicron na pandemia.
O que sabemos sobre a nova cepa?
Renato Kfouri – É uma variante que concentra muitas mutações na região da proteína spike. onde ocorre a adesão do vírus às células. O surgimento de conjuntos de mutações assim é comum, mas as experiências vistas até agora se traduziram em cepas de alta transmissão como aconteceu principalmente com a Alfa e a Delta. O aumento rápido de casos na África do Sul já antecipa que a cepa tem um potencial de transmissibilidade muito grande. Esta característica, somada à dispersão do vírus pelas províncias, chama muito a atenção. Ainda não temos informações de escape de vacinas, de testes, de diagnóstico ou de imunidade para quem já teve ou não a doença. Porém, o quadro justifica a classificação da Ômicron como variante de preocupação pela OMS. A classificação designa cepas que eventualmente alteram a apresentação clínica da doença ou diminuem a eficácia das medidas preventivas e vacinas.
O que preocupa é a quantidade de mutações?
Kfouri – Na verdade, as variantes aparecem todos os dias e com diversas mutações. O problema é no que a cepa se transformou. Esse aglomerado de mutações conseguiu deixá-la de um jeito tal que a tornou altamente transmissível. Na prática, estamos vendo uma disseminação local e um aumento grande de transmissibilidade, que já está fazendo com que se torne a variante dominante na África do Sul.
Há previsão de quando teremos mais respostas sobre seu potencial de escape das vacinas?
Kfouri – Não. Vamos precisar de mais estudos, mas as pesquisas já estão sendo feitas.
Existe o perigo de o mundo ter de voltar às medidas restritivas mais severas como as adotadas no início da pandemia?
Kfouri – O risco das variantes sempre existe. Surgir uma cepa que escape de todas as vacinas e seja completamente diferente, a ponto de ter que vacinar o planeta inteiro com uma nova formulação de vacinas, é uma possibilidade teórica constante. Vivemos sob esse risco o tempo todo. Uma nova variante que seja muito diferente, com alta infectividade e transmissibilidade, é o pior cenário que pode acontecer. Mas só saberemos se este é o caso da Ômicron quando mais estudos forem feitos.
No Brasil temos uma boa taxa de vacinação e estamos vendo a flexibilização das medidas protetivas. Com a ameaça da nova variante, acha que este relaxamento é adequado?
Kfouri – O caminho é mantermos as altas taxas de vacinação. E temos que aumentar as taxas de doses de reforços para aqueles que forem perdendo a proteção. Estamos no melhor momento da pandemia, com taxas de transmissão muito baixas e bons índices de imunização. Exceto o uso de máscara, que acho desnecessário desincentivar, já estamos vivendo um grande momento de flexibilização: bares, restaurantes, escolas, congressos, viagens, turismo, está tudo aberto e funcionando. As atividades estão todas praticamente normais. Na Europa, eles iniciaram a vacinação mais cedo. Consequente, os indivíduos foram perdendo a imunidade antes. Nós estamos em uma lua de mel ainda porque temos uma vacinação mais recente, essa é a grande diferença nossa em relação aos europeus. Quando passar um tempo maior aqui do começo da vacinação, no início do ano, se não imunizarmos direito a população, a tendência é o aumento de casos, com ou sem variante, com ou sem aglomerações.