Uma máquina de precisão: as novas revoluções da robótica na medicina
Ela serve de bússola e apoio a delicadas cirurgias neurológicas e de coluna vertebral. É uma era que se inicia
A cirurgia robótica é a mais perfeita materialização do casamento entre o ser humano e a máquina, provando que ela pode funcionar com maestria ao tirar o máximo proveito das habilidades e funcionalidades de cada lado. Numa ponta, o médico, com seu conhecimento anatômico e a sensibilidade para reconhecer o que o paciente requer. Na outra, a tecnologia, com precisão milimétrica nas incisões e perfurações. Depois de quinze anos desde a operação pioneira no Brasil, os equipamentos de ponta já se consolidaram em especialidades como urologia e ginecologia, bem como em procedimentos para abdome, joelho e quadril. Agora, os robôs pedem passagem para integrar — e revolucionar — a neurocirurgia e o tratamento de doenças e lesões no cérebro e na coluna vertebral.
Neste mês, dois marcos ilustraram o tamanho do progresso no país. A plataforma Mazor, da empresa Medtronic, fez sua estreia durante a operação de uma mulher de 80 anos que necessitava de seis parafusos na coluna em uma intervenção realizada no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, um espetáculo da medicina aplaudido pelos médicos e acompanhada in loco por VEJA. O robô, com uma estrutura que lembra um simpático rosto, dispõe de um software que permite o planejamento prévio das ações que serão executadas pelo cirurgião e o espelhamento em tempo real de cada movimento em exames de imagem. Enquanto isso, o Brasil também atingiu a marca de 100 operações dessa natureza utilizando o braço robótico Cirq, da alemã Brainlab. O avanço da tecnologia na neurocirurgia — um segmento delicado por excelência — coroa a ampliação desse modelo terapêutico para outras regiões e fronteiras do corpo humano.
Os estudos assinam embaixo das vantagens do suporte high-tech ao trabalho médico: redução no tempo em centro cirúrgico, cortes menores, exatidão em todas as etapas, diminuição do período de internação, além de menos sangramento e complicações. “O robô evita pequenos erros tanto a olho nu quanto no uso da navegação, porque, a todo momento, faz os posicionamentos dos instrumentos já na trajetória correta”, diz o cirurgião de coluna Luciano Miller, do Einstein. A segurança ao paciente é reforçada por outra razão. Nesse tipo de intervenção, a radiação guia o profissional. Quando se recruta o aparelho, porém, a exposição a ela cai 80%.
Para pessoas que sofrem com vértebras instáveis, fraturas e desvios de coluna, caso da escoliose, o método começou a ser aplicado há menos de dois anos com a tecnologia alemã. Poucos meses depois, passou a ser empregado em biópsias cerebrais, que demandam a perfuração certeira de determinado ponto do crânio. Outras aplicações virão. Convém ressaltar, no entanto, que o robô não opera sozinho — ele é um sistema de bússola e apoio. “Não se trata de algo automatizado. Quem comanda os movimentos é o médico”, afirma Nelson Pereira Filho, neurocirurgião do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, para quem a invenção é “um assistente de altíssima qualidade”.
O embrião da cirurgia robótica remonta à década de 1980. Mas ela só viria a emergir com força e êxito nos anos 2000, ao tratar tumores de próstata. Graças à exatidão para extirpar a doença, a técnica promoveu uma queda drástica na taxa de efeitos colaterais e complicações após o procedimento, como a impotência sexual. Mesmo avançando a passos largos, o fator limitante ainda é o custo e o acesso em larga escala. Mas os especialistas acreditam que, com a maior oferta de dispositivos e a redução nos valores, um volume bem maior de pacientes poderá ser atendido. “Em países de baixa e média renda pode ser mais complicado, mas é inexorável que a medicina agregue a digitalização em todos os seus níveis”, diz Carlos Eduardo Domene, coordenador médico do Programa de Cirurgia Robótica da Rede D’Or, que tem o maior parque robótico da América Latina. Tudo indica que a tendência é caminho irreversível — e os robôs se tornarão mais presentes nos hospitais. “Nosso sonho é fazer cirurgias remotas, atendendo pacientes a distância”, diz Arthur Pereira Filho, neurocirurgião do Moinhos de Vento. Vida longa a essa parceria.
Publicado em VEJA de 19 de abril de 2024, edição nº 2889