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Um simples exame de sangue poderá identificar câncer? A ciência indica que sim

Avanços na biotecnologia abrem caminho a exames simples que são capazes de rastrear e detectar precocemente doenças complexas

Por Ligia Moraes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 16 ago 2024, 11h51 - Publicado em 16 ago 2024, 06h00

Não é de hoje que os médicos sonham com a perspectiva de diagnosticar, de forma rápida e precisa, problemas de saúde potencialmente graves por meio de algumas gotas do líquido que corre nas veias. Esse anseio está virando realidade com uma nova safra de testes laboratoriais. Baseados em uma pequena amostra de sangue, eles pretendem flagrar males que hoje em dia exigem intervenções mais invasivas e caras. Entre os alvos da inovação biotecnológica, cada vez mais próxima da prática clínica, destacam-se dois grupos de doenças que tiram o sono de profissionais e pacientes: as demências e os tumores. Outras patologias, porém, já entraram na mira dos pesquisadores. É possível que, em alguns anos, até outros transtornos mentais e distúrbios do sono possam ser dedurados por uma coleta de sangue.

Exemplo dessa tendência é um teste para detecção de Alzheimer que causou burburinho entre os especialistas. Em estudo publicado pela Associação Médica Americana, o novo exame demonstrou 90% de acurácia no diagnóstico de pessoas com sintomas como perda de memória recente. O método analisa duas proteínas que estorvam o cérebro, levando à demência — níveis alterados foram correlacionados ao início do quadro neurológico. Trata-se de uma vantagem e tanto em relação aos métodos atuais, como punção de liquor e PET Scan, mais complicados de fazer e nem sempre disponíveis aos pacientes. “Tornar acessível o diagnóstico da doença é uma prioridade”, diz o neurologista Fábio Porto, diretor científico do braço paulista da Associação Brasileira de Alzheimer. Com o envelhecimento populacional, espera-se um aumento de 200% nos casos de demência na América Latina até 2050.

arte sangue

Identificar com celeridade que os lapsos cognitivos são motivados pelo Alzheimer faz diferença para iniciar o tratamento e tentar conter a progressão da doença, que atinge ao menos 1 milhão de brasileiros. Daí a expectativa em torno do exame de sangue, que passará por outra rodada de pesquisas a fim de validar os resultados animadores. Raciocínio semelhante guia a busca de substâncias na circulação capazes de delatar outras condições que repercutem no cérebro. Nessa direção, cientistas americanos estão desenvolvendo o primeiro teste para prever o risco de esquizofrenia entre pessoas que relatam sintomas como delírio e alucinação — um desafio no consultório dos psiquiatras. No Brasil, uma equipe do Instituto do Sono e da Unifesp trabalha, por sua vez, na criação de um exame de sangue que apura pistas da apneia do sono. O quadro, marcado por interrupções temporárias na respiração em repouso, ameaça, com o tempo, a saúde cardíaca e cognitiva.

Talvez não exista uma área na medicina tão empenhada em revelar os chamados biomarcadores sanguíneos como a oncologia. Atualmente, uma técnica conhecida como biópsia líquida, que detecta pegadas do DNA do tumor viajando pelas artérias, já é utilizada em pacientes em tratamento para conhecer melhor as características da doença e nortear a terapia. O novo passo, que começa a ser dado, é utilizar uma metodologia semelhante para atacar o problema mais cedo. Nesse sentido, a agência regulatória americana acaba de aprovar o primeiro teste do gênero voltado para o câncer colorretal. Por ora, ele é indicado na forma de triagem a pessoas com 45 anos ou mais e maior propensão à doença, e não substitui a colonoscopia — a técnica padrão ouro, apesar do preparo nada agradável. É de se imaginar que, no futuro, a ferramenta seja incorporada ao rastreamento de um mal em ascensão.

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PRATICIDADE - Coleta: proposta é tornar diagnóstico mais célere e acessível
PRATICIDADE - Coleta: proposta é tornar diagnóstico mais célere e acessível (iStock/Getty Images)

Também progridem as pesquisas com métodos laboratoriais mais simples e aptos a sinalizar o risco de recorrência de um tumor. Na Inglaterra, uma tecnologia já é capaz de prever o risco de retorno de um câncer de mama meses antes de qualquer manifestação perceptível. Em solo nacional, a startup Huna e o Grupo Fleury estão trabalhando numa solução de inteligência artificial que permita a detecção precoce da patologia em cima de dados de um hemograma comum. Invenções como essas terão de ser lapidadas e validadas em estudos robustos, mas abrem fronteiras diante de um leque de doenças para as quais o tempo de descoberta influencia as chances de cura. E isso se torna ainda mais precioso em se tratando de cânceres para os quais não existem protocolos de rastreamento padronizados, como os de ovário e pâncreas. “Quando a biópsia líquida chegar a esses tumores, será algo revolucionário”, diz o oncologista Rodrigo Dienstmann, diretor do Programa de Medicina de Precisão da Oncoclínicas. Eis um sonho que, pelo sangue, está mais próximo de se tornar real.

Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2024, edição nº 2906

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