Sob risco de desabastecimento, remédio de convulsões surge contaminado
Farmacêutica não informou diretamente aos consumidores sobre a contaminação do remédio para tratar esclerose tuberosa e Síndrome de West em crianças
Além de atriz, Yohama Eshima se intitula uma mãe atípica. Ela tem um filho, Tom, de 3 anos, com esclerose tuberosa, uma doença genética rara que provoca tumores e pode afetar diversos órgãos do corpo, principalmente o cérebro, o coração, os olhos, os rins, a pele e os pulmões. Por conta disso, a criança toma, desde os três meses de idade, o Sabril, medicação produzida pela farmacêutica francesa Sanofi, que evita as crises de epilepsia refratária e convulsões em Tom, que toma três doses ao dia.
No dia 14 de julho, porém, após dar o remédio ao filho, ela descobriu pela internet que haviam quatro lotes do medicamento contaminados por uma substância chamada tiaprida, antipsicótico utilizado para tratar quadros de psicose, esquizofrenia ou abstinência de álcool e proibida para uso pediátrico no Brasil. “Imediatamente vi que as caixas que eu tinha, uma comprada e a outra recebida pelo SUS, estavam nesse lote e liguei para o 0800 do laboratório. Eles confirmaram a informação e apenas disseram que fariam uma retirada voluntária e me reembolsariam o dinheiro pago pelo medicamento”, diz.
Mesmo abalada por não saber se a medicação provocaria algum efeito adverso no filho, a atriz percorreu várias farmácias do Rio de Janeiro, em busca do remédio, mas não encontrou. “Estava desesperada para medicar o Tom, já que percebi que estava dando o remédio contaminado para ele desde setembro do ano passado”. Ela também entrou em contato com a neurologista que orientou a suspensão do medicamento por falta de informação sobre quanto os remédios estavam comprometidos. “Mas decidimos, eu e meu companheiro, manter a medicação porque sabemos que a falta gera crises convulsivas no Tom. Foi uma decisão muito difícil, mas era melhor do que tirar completamente”, conta ela, indignada com a falta de divulgação da informação por parte do laboratório.
O Sabril é o nome comercial da vigabatrina, fármaco usado para reduzir as atividades elétricas cerebrais que causam a convulsão, aumentando o ácido gama aminobutírico (gaba), um neurotransmissor que inibe sinais excitados pelo glutamato, outro neurotransmissor, que quando em excesso no cérebro pode levar às crises epiléticas ou até à morte dos neurônios.
“O medicamento não deve ser interrompido de forma brusca”, alerta Ana Carolina Coan, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI). “Todos os pacientes devem contatar seus médicos para avaliar o custo-benefício da redução do remédio. Sendo ele usado para as formas graves de epilepsia, se for interrompido de forma abrupta sem um substituto pode levar a uma piora acentuada das crises, e consequentemente, a internações”.
Segundo a especialista, o remédio também é administrado em pacientes com a Síndrome de West, uma encefalopatia epiléptica que surge na lactância, caracterizada por espasmos infantis e regressão neurológica. “A interrupção do medicamento nessas crianças pode levar a involução do desenvolvimento pelo retorno das crises”, avisa a médica. “Nesse momento é preciso que se faça uma avaliação muito cautelosa, de caso a caso”.
O que diz a farmacêutica
Em seu site, a Sanofi informa que iniciou o recolhimento voluntário e preventivo de quatro lotes do Sabril no dia 10 de julho, por causa de “um evento de qualidade no fornecedor da matéria-prima deste produto”. A farmacêutica também listou os lotes contaminados (veja abaixo), que estão sendo usados por crianças desde setembro de 2022, sem qualquer aviso do laboratório.A farmacêutica diz ainda que “os riscos conhecidos da interrupção abrupta da vigabatrina são maiores que os riscos teóricos deste evento de qualidade”, sem divulgar a quantidade de tiaprida encontrada no medicamento.
Em nota, a farmacêutica informou que “traços de tiaprida encontrados são extremamente baixos, em quantidade improvável de causar efeitos adversos, mesmo considerando o uso todos os dias ao longo da vida”.
“A minha indignação é com a falta de comunicação com quem realmente importa, que são as famílias que utilizam essa medicação. São muitas pessoas que não têm acesso à informação, então era de responsabilidade do laboratório fazer esse movimento e simplesmente não foi feito”, diz Yohama. “Ninguém vai ficar entrando em site para ver se existe uma nota do laboratório dizendo que aconteceu alguma coisa com o medicamento. É um absurdo o que aconteceu”.
Mais um problema: o desabastecimento
Mas a contaminação do Sabril por tiaprida não é o único problema que os usuários do remédio têm que enfrentar. A Sanofi ainda comunicou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em fevereiro de 2022, que o remédio seria descontinuado por dificuldades de conseguir insumos para sua fabricação.
A farmacêutica informou, em nota, que novas unidades começaram a ser distribuídas neste mês, mas de forma controlada para dar acesso aos pacientes sem outras alternativas terapêuticas no mercado.
“O medicamento deve chegar de forma gradativa às farmácias públicas e privadas a partir do início de agosto de 2023. Esse tempo pode variar de acordo com a região do país”, disse a empresa.
Veja os lotes de Sabril contaminados:
Produto | Lote | Data do vencimento |
SABRIL® 500MG 60 CPR | CRA02747 | 30/04/2024 |
SABRIL® 500MG 60 CPR | CRA06696R | 31/08/2024 |
SABRIL® 500MG 60 CPR | DRA00489V | 31/01/2025 |
SABRIL® 500MG 60 CPR | DRA00490 | 31/01/2025 |