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Rastrear ou não? Os exames para detectar câncer de próstata em debate

O Ministério da Saúde não recomenda, mas entidades médicas divergem

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 09h55 - Publicado em 19 nov 2023, 08h00
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  • “A próstata produz líquido seminal durante a vida adulta de um homem e ansiedade em seus anos finais”, escreve, sem perder o humor, o americano Bill Bryson em Corpo: um Guia para Usuários. Sim, a mesma glândula que fabrica o fluido essencial para os espermatozoides correrem atrás de um óvulo é aquela que pode sediar um preocupante tumor com o envelhecimento. Pois essa estrutura, do tamanho de uma noz, voltou a protagonizar um debate no país depois de o Ministério da Saúde e o Instituto Nacional de Câncer (Inca) publicarem um documento desaconselhando o rastreamento populacional do câncer de próstata por meio de exames anuais, como o toque retal e a dosagem de marcadores no sangue.

    A posição do governo se baseia em dezenas de estudos segundo os quais esse tipo de check-up em homens sem sintomas não reduz a mortalidade pela doença. Isso porque boa parte dos tumores encontrados teria evolução lenta e não apresentaria riscos ao organismo. Ao tentar erradicá-los, o paciente ainda pode ser penalizado com sequelas e efeitos colaterais de intervenções como biópsias e cirurgias. Os técnicos do ministério argumentam que o zelo com a próstata é diferente daquele do cuidado com o câncer de mama, em que mamografias anuais a partir dos 50 anos comprovadamente diminuem mortes entre as mulheres.

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    A discussão é complexa. Afinal, o diagnóstico precoce não representaria chances maiores de cura e menos percalços pelo caminho? Nem sempre, na avaliação dos especialistas do governo. Ao flagrar um tumor em estágio inicial, é difícil cravar se ele terá comportamento indolente ou agressivo — situação que demandaria tratamento quanto antes. A Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), especialidade que lida diretamente com os males da próstata, concorda que o rastreio amplo e irrestrito é contraproducente, mas tem um ponto: defende os testes anuais, de acordo com a idade, a história e os fatores de risco do paciente. São iniciativas que ajudam a mitigar a detecção de tumores em estágio avançado, quando a probabilidade de remissão é mínima e as terapias são mais custosas.

    No fundo, é uma querela atrelada a questões de foro íntimo e de saúde pública — e as autoridades precisam tomar posição. Por isso, a SBU encoraja homens entre 45 e 74 anos a procurar um médico anualmente a fim de se decidir se vale a pena monitorar a glândula com exames. Decisão que, claro, precisa levar em conta circunstâncias que elevam o risco de quadros graves da doença, como obesidade e histórico do problema na família. Essa abordagem individualizada é hoje advogada por países como os Estados Unidos.

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    MAIS CEDO - Homens negros: consultas precisam começar antes dos 50 anos (vgajic/Getty Images)

    De qualquer forma, os urologistas seguem reconhecendo o papel do toque retal, do teste de PSA (proteína dosada no sangue que acusa alterações na próstata) e de exames de imagem, a depender do contexto. Até porque o fato de diagnosticar um tumor mais brando não significa automaticamente que o paciente terá de passar por cirurgia ou radioterapia. Ganhou força o conceito de vigilância ativa, em que o sujeito é acompanhado periodicamente para saber se o tumor está quietinho e não carece de intervenção alguma — estima-se que 30% dos casos possam ser cuidados dessa maneira. No entanto, a SBU e outras entidades, como a Sociedade Brasileira de Radioterapia, batem na tecla do diagnóstico precoce. “Quando você descobre a doença quando já existem sintomas, o risco de ter um câncer sem possibilidade de cura que se espalhou é algo em torno de 94%”, diz o médico Alfredo Canalini, presidente da SBU. “Mas, se identificar numa fase anterior, sem sinais do problema, tem a chance de curar 90% dos pacientes. A detecção precoce salva, sim, vidas.”

    Quem está na linha de frente dos consultórios e hospitais também acredita que o caminho é personalizar a indicação. “Não dá para ser totalmente contra o rastreamento nem para defendê-lo cegamente”, diz o urologista Stênio Zequi, do A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo. “O ideal é que todo homem ao redor de 50 anos procure um médico e converse a respeito.” Essa conversa deve acontecer mais cedo sobretudo entre homens negros ou com parentes de primeiro grau que tiveram a enfermidade. São eles que geralmente enfrentam os quadros mais drásticos, em que a celeridade no diagnóstico faz diferença. O que não adianta é fugir: uma boa consulta médica é o melhor meio de evitar ansiedades e dissabores com a saúde.

    Publicado em VEJA de 17 de novembro de 2023, edição nº 2868

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