Clique e Assine VEJA por R$ 9,90/mês
Continua após publicidade

Quem são e como atuam os brasileiros em movimentos contra as vacinas

Fenômeno dá fôlego à volta de doenças que ameaçam a saúde de todos

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h11 - Publicado em 16 set 2022, 06h00

No livro A Marcha da Insensatez, a historiadora americana Barbara Wertheim Tuchman (1912-1989) mostrou de que maneira decisões equivocadas tomadas por governantes e sociedades — ou parte delas — resultaram em situações abomináveis. A obra se tornou uma referência a nos lembrar o que acontece quando a razão perde o lugar para a ignorância e hordas de provocadores parecem dominar a toada do cotidiano.

Infelizmente, o mundo, hoje, está imerso numa dessas ondas negacionistas, formada por indivíduos que, no campo da saúde, pretendem obstruir o avanço das vacinas. Nunca é demais repetir que os imunizantes têm papel essencial na crescente expectativa de vida ao longo de décadas e são uma das mais relevantes criações da ciência atrelada à medicina. E, para que não reste dúvida: deve-se às vacinas contra o coronavírus a maior parte dos louros pela vitória sobre o vírus que agora se aproxima, como enfim anunciou, na quarta-feira 14, Tedros Adhanom, diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Contudo, como nota triste e inaceitável, na contramão do bom senso, o movimento dos antivacinas cresce em todo o mundo, inclusive no Brasil. Espalhados principalmente no ambiente digital, agem à sombra, de modo covarde. Iluminá-los, de modo a serem vistos, é postura civilizatória. Pesquisadores do Instituto Capixaba de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde mergulharam nas redes sociais para estudar quem são e o que pregam os antivacinas brasileiros. Foram identificados 394 canais com conteúdo falso sobre imunizantes funcionando no Telegram, de longe o recurso mais usado. Em apenas 24 horas, 1 milhão de pessoas foram impactadas por mais de 14 000 mensagens compartilhadas. O teor dos comentários é um arsenal de tolices sem pé nem cabeça. Além de promoverem a multiplicação de erros grosseiros de todos os matizes — da ortografia à biologia —, os integrantes deturpam o que podem para convencer os incautos. “Há notícias tiradas de contexto ou apresentadas de forma distorcida”, diz a coordenadora da pesquisa, Adriana Ilha. “É a má informação que causa caos social.” Durante uma semana, VEJA acompanhou a movimentação de alguns desses grupos no Telegram. Imagens de pessoas com mãos deformadas, órgãos ensanguentados e denúncias infundadas de sequelas atribuídas aos imunizantes surgem em meio a campanhas políticas e à oferta de falsos comprovantes de vacinação.

arte antivacina

Com menos atividade nas plataformas eletrônicas, mas detentora de um site próprio, a Associação Médicos pela Vida também aparece no levantamento. Ela ganhou notoriedade depois de publicar um manifesto apoiando o ineficaz “kit Covid”, o suprassumo do tratamento precoce defendido pelo presidente Jair Bolsonaro. Um dos líderes do grupo é o cirurgião Eduardo Leite, de Feira de Santana, na Bahia. A briga, ele diz, é para contestar o uso da vacina contra a Covid-19, especificamente. “Não faz sentido vacinar uma pessoa que já teve a doença”, diz. Se tivesse de fazer uma prova de infectologia, o médico tiraria zero. O fato de um indivíduo ter manifestado a doença não lhe garante imunidade. Há outros fatores envolvidos na resposta do sistema de defesa à invasão do corpo por um agente infeccioso. Portanto, ela tanto pode ser robusta quanto nula, e é por esse motivo que tomar a vacina, mesmo depois da doença, é fundamental.

Recentemente, representantes da associação estiveram no Conselho Federal de Medicina. Causa espanto que a entidade, cuja atribuição é regular a atividade médica segundo a luz da ciência, tenha recebido o grupo. Em nota, o CFM limitou-se a dizer que orienta os profissionais a reforçar a importância da vacinação junto à população. Por que perder tempo com quem prega politicamente e é contra os imunizantes?

ATIVISMO - A médica Maria Emilia: ação contínua desfavorável à vacina contra a Covid-19 baseada em falso argumento -
ATIVISMO - A médica Maria Emilia: ação contínua desfavorável à vacina contra a Covid-19 baseada em falso argumento – (Lúcio Bernardo Jr./Câmara dos Deputados)

O minucioso levantamento aponta ainda a médica Maria Emilia Gadelha Serra, candidata a deputada federal por São Paulo pelo PRTB, como um dos expoentes do retrocesso. Defensora da ozonioterapia, técnica que não tem autorização de uso para o tratamento de nenhuma doença no Brasil, ela afirma que “as vacinas contra a Covid-19 são experimentais”, o que não é verdade. Seu nome está ligado a um episódio ocorrido no Acre, em 2015, quando adolescentes vacinadas contra o vírus HPV, o principal causador de câncer de colo do útero, apresentaram quadros de desmaios e convulsões. Quatro anos depois, pesquisadores da Universidade de São Paulo comprovaram que as reações tinham fundo psíquico. Naquele momento, porém, a médica já era uma referência por lá e estruturava-se, em Rio Branco, a Associação Brasileira de Vítimas de Vacinas e Medicamentos. A entidade não atendeu a reportagem de VEJA. O psiquiatra José Gallucci-Neto, que atuou no estudo com as meninas, acompanha a expansão do movimento com preocupação. “Como o governo é abertamente antivacina e leva essas pessoas para dialogar no ministério, deu-se voz a pessoas que nunca trabalharam com imunizantes.”

Ataques às vacinas insuflados pela ignorância são tão antigos quanto elas próprias. No Brasil, parte da população carioca se insurgiu contra a vacinação contra a varíola em 1904 no evento conhecido como Revolta da Vacina. Justo a varíola, responsável por milhões de mortes durante milênios. Mas o conhecimento venceu. Em 1980, a doença foi erradicada. Agora, graças ao crescimento de grupos que se proliferam como fungos na escuridão, o país vê ano a ano despencar as taxas de cobertura vacinal (veja o quadro). E doenças superadas voltam a fazer vítimas ou batem à porta. Eliminado em 2016, o sarampo ressurgiu. A poliomielite, sem caso no país desde 1994, ameaça retornar. Na semana passada, Nova York, nos Estados Unidos, declarou estado de emergência depois que o vírus da doença foi encontrado no esgoto. Em Londres foi assim também. O momento, portanto, é decisivo, e não pode haver espaço para marchas estúpidas.

Disseminação virtual
A maioria dos antivacinas interage em grupos de conversa do Telegram. Abaixo, alguns dos diálogos trocados com a reportagem

arte Antivacina
(./.)

Violência liberada
Na lista do que pode ser apresentado, estão “conteúdos violentos gráficos” sobre protestos contra vacinas, lockdowns e passaportes de imunização

arte Antivacina
(./.)

Quer pagar como?
Neste grupo, compra-se passaporte de vacinação escolhendo o fabricante e as datas nas quais a pessoa teria sido imunizada. Aceitam Pix ou cartão

arte Antivacina
(./.)

Plano de contingência
Os responsáveis dizem que “os agentes globalistas” tentam acabar com a liberdade de expressão e dão opções de canais caso não tenham o Telegram

Colaborou Diego Alejandro

Publicado em VEJA de 21 de setembro de 2022, edição nº 2807

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 9,90/mês*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.