A reação de Anápolis à chegada dos brasileiros vindos de Wuhan
Agora na cidade goiana, eles vieram da cidade chinesa onde surgiu o coronavírus, responsável pela doença batizada de Covid-19
Com a possibilidade de uma epidemia mundial provocada pelo coronavírus, havia muita preocupação das autoridades com a reação dos moradores de Anápolis (GO) diante da chegada dos 34 brasileiros resgatados de Wuhan, na China. Desde o domingo 9, o grupo cumpre a quarentena obrigatória de dezoito dias na base aérea da cidade, distante 150 quilômetros de Brasília. Somados às 24 pessoas que atuaram na operação de busca, ao todo 51 adultos e sete crianças são mantidos sob um rígido protocolo de segurança. Não fossem os dois jatos da Presidência da República estacionados na base, os assustadores trajes de proteção usados pelos militares em terra e a movimentação de dezenas de jornalistas no entorno do local, a presença dos brasileiros provavelmente passaria despercebida. Ao contrário do que se temia, não houve protestos — e, por enquanto, também não foi registrado nenhum sinal de contaminação.
O prefeito de Anápolis, Roberto Naves, conta que, no início, foi interpelado por muitos moradores, principalmente depois que surgiram boatos de que haveria pessoas doentes entre os repatriados. “Nenhum deles está doente, mas, ainda que estivessem, fiz um esforço, com entrevistas, vídeos e mensagens, para tranquilizar a população de que não existia risco de espalhar o coronavírus”, diz o prefeito. Deu certo. Fora um aumento da procura nas farmácias por máscaras cirúrgicas e álcool em gel, não houve alteração perceptível no dia a dia da cidade. Se do lado de fora da base tudo transcorreu normalmente, dentro dela a apreensão vai durar ao menos mais duas semanas. O processo de quarentena impõe uma rigorosa disciplina. As refeições são oferecidas em horários determinados, é proibido sair do quarto sem cobrir o nariz e a boca com máscara, e todos estão orientados a higienizar as mãos com álcool sempre que possível. As regras também proíbem compartilhar copos, talheres, canetas, telefones ou outros objetos que possam servir como vetor de transmissão.
Logo no primeiro dia da quarentena, foram recolhidas amostras de muco das narinas e da garganta de todos os repatriados, dos tripulantes do avião e da equipe de apoio. O material foi enviado ao Laboratório de Saúde Pública de Goiás para análise. O resultado deu negativo. Mesmo assim, o grupo passa por três avaliações médicas e psicológicas diárias. Até a última quinta-feira, de acordo com o Ministério da Defesa, ninguém apresentava qualquer sintoma da doença. Antes do fim da quarentena, no próximo dia 27, os exames laboratoriais serão repetidos duas vezes. Ao menor sinal de contaminação, o protocolo prevê a transferência dos pacientes para uma área totalmente isolada. Se a enfermidade evoluir, o passo seguinte será deslocá-los para o Hospital das Forças Armadas, em Brasília.
O Brasil ainda não tem nenhum caso confirmado de infecção pelo coronavírus. No último balanço divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) antes do fechamento desta edição, já haviam sido registradas mais de 60 000 ocorrências em todo o mundo e mais de 1 000 mortes na Ásia. Na terça-feira, Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, reafirmou que o coronavírus representa uma ameaça muito grave e que a situação na China, onde houve 99,8% das mortes, é de emergência. A doença, cujos principais sintomas são febre, tosse e dificuldade de respirar, foi batizada pela OMS de Covid-19. “O nome impede o uso de termos que podem ser imprecisos ou estigmatizantes”, explicou Ghebreyesus.
Essa, aliás, é uma preocupação do aposentado José Neves de Siqueira, pai do professor de mandarim Victor Campos Moura Neves e Siqueira, um dos repatriados de Wuhan. Ele se diz comovido com as demonstrações de apoio que tem recebido, mas teme que, depois da quarentena, o grupo sofra algum tipo de discriminação. “Eles não estão com esse novo vírus. E, se estivessem, só poderiam sair da quarentena quando todos os testes apresentassem resultado negativo. É bom que todo mundo saiba disso”, ressalta. De dentro da base, a modelo Adrielly Eger contou a VEJA que o governo brasileiro prometeu que, no fim do isolamento, emitirá um documento para certificar que todos os repatriados estão em perfeito estado de saúde. “As pessoas veem os profissionais com máscara, roupas especiais e podem achar que estamos contaminados. Não estamos doentes. É tudo por precaução. Quando sairmos daqui, precisaremos levar nossa vida normalmente.” Que assim seja.
Publicado em VEJA de 19 de fevereiro de 2020, edição nº 2674