Por que a variante descoberta na Índia preocupa o Brasil e o mundo?
B.1.617 foi detectada ainda em 2020 no país asiático, porém o descontrole recente da pandemia alerta os cientistas globalmente
O recente descontrole da pandemia na Índia levou o Brasil e o mundo a um novo estágio de preocupação com a variante B.1.617. Embora não seja uma novidade – sua descoberta aconteceu em outubro de 2020 –, o número de casos provocados por ela no país asiático aumentou consideravelmente nas últimas semanas. Além disso, a cepa foi detectada em outros 44 países espalhados pelos seis continentes.
No Reino Unido, o grande aumento de novos casos causados pela B.1.617 ameaçam a reabertura econômica e social no país, planejadas para junho. Embora o Brasil ainda não tenha registrado a presença da nova cepa no seu território, a confirmação de sua chegada na vizinha Argentina e a internação de um paciente indiano no Maranhão ligam o sinal de alerta no país.
Essa variante possui três versões com pequenas diferenças. A análise genética revelou que elas têm mutações importantes nos genes que codificam a espícula, proteína localizada na superfície do vírus e responsável por dar início à infecção ao se conectar com as células humanas.
Dentre todas as alterações, algumas chamam bastante a atenção de cientistas ao redor do mundo inteiro, com destaque para três: a L452R, a E484Q e a P681R. Enquanto a primeira já havia sido encontrada em variantes nos estados de Nova York e Califórnia, a segunda possui grandes similaridades com as linhagens encontradas no Brasil, Reino Unido e África do Sul. A terceira, apesar do destaque, ainda não parece ter sido encontrada fora do território indiano.
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Em resumo, os novos aprimoramentos encontrados nessas variantes podem representar uma facilidade de infecção do coronavírus nos seres humanos. Antes necessitando de uma carga viral maior, agora o vírus pode depender de uma carga um pouco mais baixa, o que representa um grande aumento na disseminação do mesmo.
Apesar de todas as descobertas recentes sobre a B.1.617, muito não se sabe sobre ela. Os cientistas ainda não conseguiram definir, por exemplo, a sua real velocidade de transmissão e até onde as suas alterações genéticas influenciam na eficácia das vacinas disponíveis. Além disso, ainda não se pode ter certeza que a nova cepa é responsável pelos casos mais graves da Covid-19, que exigem internação e intubação.
Com base no que se tem de dados até agora, o Grupo Independente de Aconselhamento Científico para Emergências do Reino Unido (Indie-Sage) montou projeções para entender como a nova variante pode influenciar a pandemia por lá. Caso a B.1.617 seja em média 35% mais transmissível que a B.1.1.7, é possível que o país viva uma nova onda de hospitalizações nos moldes das ondas anteriores. Se ficar provado ainda que a nova cepa pode “burlar” a vacina, um cenário ainda mais caótico pode se formar.
O Reino Unido é um dos países com o melhor sistema de monitoramento do vírus do mundo. Através desse sistema foi possível identificar que em apenas uma semana, o número de casos provocados por essa nova variante quase triplicou. Em 12 de maio, mais de 1.300 análises identificaram a nova variante, contra 520 na semana anterior. Em algumas regiões inglesas, inclusive, a B.1.617 já é considerada a cepa dominante.
Em meio a inúmeros recordes negativos na Índia, ainda é cedo para atribuir o aumento vertiginoso de casos e mortes apenas a novas variantes. Uma análise realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no dia 9 de maio atenta para as novas cepas, mas destaca também as recentes aglomerações relacionadas a eventos religiosos e políticos e ao relaxamento de medidas restritivas, como o uso de máscaras e o distanciamento social.
Enquanto a OMS destaca a B.1.617 como “variante de preocupação legal”, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) ainda aguardam mais dados para dar um parecer definitivo.
Embora a nova variante ainda não tenha sido detectada em território brasileiro, o sinal de alerta já foi ligado. Dois casos da nova variante foram detectados na Argentina, país vizinho com constante fluxo de pessoas entre eles. Além disso, a chegada de um navio na capital maranhense, São Luís, trouxe um paciente indiano infectado pelo novo coronavírus. Ele segue em observação e isolamento em um hospital privado, ao mesmo tempo que a vigilância sanitária decretou a quarentena de todos os tripulantes da embarcação.
Há 15 dias, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sugeriu que o governo federal tomasse medidas mais contundentes, como a proibição de voos vindos da Índia. A medida, porém, só foi tomada dez dias depois.
Ainda não está claro como a nova variante pode se comportar em uma eventual chegada ao Brasil, tomado pela variante P.1. As variantes britânica e sul-africana, por exemplo, até chegaram a ser detectadas em território brasileiro, porém não se desenvolveram como em outras nações. A P.1 foi detectada pela primeira vez em Manaus e se alastrou por todo o país em questão de semanas, se tornando a linhagem mais frequente nas transmissões vistas no país.
O Brasil já registrou, desde o início da pandemia, mais de 15,7 milhões de casos do novo coronavírus. Destes, 437 mil evoluíram para óbito. O ritmo de vacinação no país segue a passos lentos, com cerca de 36 milhões de doses aplicadas até o momento, o equivalente a pouco mais de 17% de toda a população.