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Por que a obesidade continua a crescer no mundo, e como conter o problema

Estudos acusam uma relação entre a doença crônica (sim, doença!) e uma dieta exagerada em alimentos ultraprocessados

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jun 2024, 17h08 - Publicado em 29 mar 2024, 06h00

Não há mais um único país, em qualquer canto do planeta, que não sofra com o ganho de peso e suas consequências ao bem-estar físico e mental. A pandemia de obesidade não discrimina continente, gênero, faixa etária e classe social. E só avança. Dados recém-apresentados pelo Atlas Mundial da Obesidade encorpam o alerta: o excesso de peso poderá atingir 50% da população global em 2030. Pior: metade das crianças estará com índice de massa corporal (IMC) elevado em questão de uma década. Ainda que tenhamos à mão um novo leque de medicamentos e procedimentos para deter os quilos extras, o problema continua a surgir e a ser alimentado desde cedo, na infância, e o cenário é ainda mais preocupante em nações de baixa e média renda, como o Brasil.

A explosão da obesidade pelo mundo ocorre em meio a uma profusão, na última década, de estudos que acusam uma relação entre a doença crônica (sim, doença!) e uma dieta exagerada em alimentos ultraprocessados, os industrializados tão palatáveis que costumam exceder nas taxas de açúcar, sódio e gordura. Quando se soma a essa oferta calórica o sedentarismo, tem-se a receita para o ganho de peso e a série de enfermidades provocadas por ele — rol que envolve de problemas cardiovasculares e diabetes a desordens articulares e câncer. Há uma bomba armada, a ameaçar vidas e os cofres dos sistemas de saúde.

arte obesidade

A equação de comer menos e se mexer mais, fórmula simples e inteligente para combater a obesidade, parece não ser suficiente para reverter as curvas do descontrole. “O problema não vai ser solucionado apenas com ações individuais”, diz o endocrinologista Bruno Halpern, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso). “As pessoas compram alimentos baratos e de fácil consumo porque é o que cabe no orçamento e na rotina delas.” Está se desenhando um consenso de que, sem medidas de alcance coletivo, pouco resultado poderá surtir diante de um nó que, para alguns especialistas, é o maior desafio de saúde pública do século XXI.

Em desatada sangria, o planeta atingiu a marca de 1 bilhão de pessoas que vivem com obesidade, de acordo com análise publicada pelo periódico científico The Lancet a partir de dados de 220 milhões de pessoas com 5 anos ou mais de 190 países. Em um trabalho que envolveu 1 500 pesquisadores, foi comprovado o aumento significativo das taxas entre 1990 e 2022. Para as mulheres, o salto em prevalência foi de 8% para 18%. Nos homens, decolou de 4% para 14%. Em crianças e adolescentes, os números absolutos impressionam: em 1990, eram 31 milhões; agora, são mais de 159 milhões.

EFEITO OZEMPIC - Tratamento com canetas: indicação médica é fundamental
EFEITO OZEMPIC – Tratamento com canetas: indicação médica é fundamental (//Getty Images)
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Nos dados do Atlas, minerados pela Federação Mundial de Obesidade (WOF, na sigla em inglês), o Brasil tinha 34% da população de 5 a 19 anos vivendo com a condição em 2020, ano em que a pandemia de Covid-19 eclodiu, totalizando 15,6 milhões de pessoas. A expectativa é que, nesse ritmo, ela alcance 20,4 milhões de brasileiros em 2035. O público infantil é o que atrai a maior atenção, pois está sendo exposto precocemente a um contexto péssimo para a saúde: alta oferta de alimentos ricos em calorias e pobres em nutrientes (macarrão instantâneo, salgadinho, bolacha recheada, refrigerante…) e horas a fio em frente às telas. Não à toa, os mais novos começam a sofrer precocemente com o que antes era “doença de adulto”.

Entre crianças e adolescentes, o Atlas indica um incremento de 52% nos casos de pressão alta e de 34% nos de sobrecarga de açúcar no sangue na comparação dos dados de 2020 com as projeções para 2035. “É urgente agir agora na prevenção da obesidade infantil sensibilizando as famílias”, diz o cirurgião bariátrico Cid Pitombo, pesquisador da Unicamp e especialista no tema.

arte obesidade

Embora não seja a única culpada na história, a alimentação desequilibrada é um dos principais fatores por trás da conjuntura atual. O custo e a praticidade dos ultraprocessados, uma miríade de pacotes de produtos prontos para comer ou ir ao micro-ondas, tendem a cobrar um preço na forma de excesso de peso e problemas de saúde. É o que reforça uma robusta revisão de estudos divulgada no British Medical Journal (BMJ), contemplando informações de quase 10 milhões de pessoas. A análise descortina uma ligação direta entre o consumo desses industrializados e o maior risco de 32 condições — dos reveses ao coração a descompassos respiratórios e mentais. “Esses alimentos prejudicam a saúde e encurtam a vida”, cravou no editorial da publicação o médico brasileiro Carlos Monteiro, professor da USP e referência internacional no tema. Foi ele e sua equipe que criaram o conceito de ultraprocessados, redutos de ingredientes e aditivos capazes de comprometer o organismo quando ingeridos com frequência. Direto ao ponto: inúmeras vezes, esses itens roubam o lugar nas refeições e lanches de opções naturais e mais saudáveis, como frutas, grãos e hortaliças.

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Se por um lado há o desafio da prevenção, por outro há o do tratamento. Nessa seara, felizmente, a medicina colhe avanços como cirurgias metabólicas e novos medicamentos. O divisor de águas, entre os fármacos, foi a classe do Ozempic, que, embora tenha sido aprovado para controlar o diabetes, mostrou efeito na perda de peso. A mesma molécula foi trabalhada em uma versão específica para a obesidade, o Wegovy, também da farmacêutica Novo Nordisk. Aprovado no Brasil, ele ainda não está disponível no mercado — situação similar à de outra medicação para essa finalidade, o Mounjaro, da Eli Lilly. Ambos têm revelado, nas pesquisas clínicas, potencial não só para emagrecer como para debelar males relacionados ao peso, como problemas cardiovasculares e gordura no fígado.

DIETA PERIGOSA - Abuso de ultraprocessados: alimentos ligados a 32 problemas de saúde
DIETA PERIGOSA - Abuso de ultraprocessados: alimentos ligados a 32 problemas de saúde (Yuliya Furman/Getty Images)

Contudo, a febre desencadeada pelo Ozempic teve efeitos colaterais danosos — tudo puxado por uma onda de uso inadequado, sem receita, disseminada inclusive por celebridades e influencers. O que era um recurso para encarar o diabetes e a obesidade virou antídoto estético. Mas não funciona assim! “Não há investigações nem garantias de benefícios com esse tipo de uso. É fundamental que o remédio seja indicado por um profissional para pacientes que preencham critérios específicos”, disse a VEJA Florian Baeres, VP de assuntos médicos da Novo Nordisk.

A corrida pelo produto acabou desembocando em uma série de episódios de falsificações, que renderam alerta até da Organização Mundial da Saúde (OMS). Pois é, não bastassem todos os desafios e dilemas enfrentados pela população acima do peso, ainda surgem promessas infundadas e injeções pirateadas no mercado. No fundo, da alimentação à medicação, a impressão é de que necessitamos de um choque de realidade para reverter as curvas da obesidade. Um compromisso que exige o envolvimento coletivo, em todo o mundo.

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“É uma briga de Davi e Golias”

Um dos pais do termo “ultraprocessados” e do Guia Alimentar para a População Brasileira, que completa dez anos, o pesquisador Carlos Monteiro é um dos críticos da onipresença desses alimentos industrializados, cujo consumo está ligado a ganho de peso e doenças.

Como se deu o desenvolvimento da ideia de alimentos ultraprocessados? Foi uma criação coletiva. Quando publicamos a classificação pela primeira vez, em 2009, colegas de língua inglesa acharam a ideia interessante, mas disseram que precisávamos mudar o nome, porque “ultra” era algo bom. Mas, claro, na nossa teoria, nem sempre o processamento é o melhor. Ao contrário.

Como fazer os preceitos do Guia Alimentar para a População Brasileira se incorporarem na dieta da nossa população? Em outras palavras, como fazer o brasileiro retomar o arroz com feijão? Alguns países começaram a taxar os ultraprocessados, e o Brasil está discutindo a reforma tributária. Mas temos uma briga de Davi e Golias com a indústria, que tem potencial para se antecipar às políticas. Ninguém está falando em proibição, mas na maior regulação da categoria.

Por que eles são tão ruins para a saúde? Os ultraprocessados têm substâncias estranhas para o corpo, afetando o pâncreas, os rins, o microbioma… O alimento é algo que vai até a última das nossas células.

Publicado em VEJA de 29 de março de 2024, edição nº 2886

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