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Por que a falta de cuidado com o fígado virou um problema de saúde pública

A maioria dos profissionais de saúde e da população não olha para essa peça-chave do organismo com a merecida atenção

Por Diogo Sponchiato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 14 dez 2023, 16h53 - Publicado em 22 jul 2023, 08h00

Desintoxicar o corpo, processar remédios, fabricar proteínas e hormônios essenciais, assegurar a coagulação do sangue, ajudar na digestão. Essas são algumas das centenas de funções de uma estrutura com cerca de 14 centímetros e 1,5 quilo localizada à direita do abdômen. Diante delas, fica evidente a relevância do fígado, nobilíssimo membro do seleto grupo de órgãos vitais. É paradoxal, portanto, diagnosticar que a maioria dos profissionais de saúde e da população não olhe para essa peça-chave do organismo com a merecida atenção. É um problema de saúde pública que, na falta de cuidados adequados, pode abrir silencioso e perigoso caminho para males como cirrose e câncer.

A negligência com os domínios hepáticos, fruto de desconhecimento generalizado (que inclui lacunas na formação médica), é um dos capítulos de maior atenção da medicina hoje. A maior preocupação atende pelo nome de esteatose hepática, o acúmulo de gordura acima do desejável no fígado. Atenção: não se trata de mero consumo de uma iguaria como o foie gras. A condição, assintomática por anos a fio, pode evoluir para quadros gravíssimos, só resolvidos com um transplante — no mundo ocidental, a doença hepática gordurosa, como também é conhecida, está se tornando a principal causa de falência hepática. Estima-se que pelo menos três em cada dez brasileiros apresentem o problema, índice que pula para 80% da população com diabetes ou obesidade. Fora a gordura, outras ameaças ao fígado são o consumo abusivo de álcool, o uso irracional de chás e medicamentos e as hepatites virais.

POÇO DE GORDURA - Esteatose hepática: problema anda ao lado da obesidade
POÇO DE GORDURA - Esteatose hepática: problema anda ao lado da obesidade (Jeff J Mitchell/Getty Images)

Mas será que os médicos estão realmente atentos a esse perigo? Infelizmente, não. É o que se conclui de uma pesquisa com 1 441 profissionais brasileiros — a maioria, clínicos gerais, cardiologistas e endocrinologistas da Região Sudeste, com atuação principalmente no setor privado — que acaba de ser apresentada no congresso Endodebate. O estudo constata que boa parte deles desconhece ou não utiliza métodos para aferir a saúde hepática e teve uma formação insuficiente a respeito: 92% não se recordam de ter aprendido sobre o tema na universidade ou apenas receberam noções básicas. Outro achado preocupante: menos de um terço dos médicos solicitou o exame padrão ouro para apurar a gordura e seus danos ao fígado, a elastografia. E seis em cada dez não empregam ferramentas que calculam o risco de lesões hepáticas, disponíveis até mesmo em aplicativos de celular. “É preciso melhorar a formação e a atualização médica e sensibilizar a classe sobre o tamanho do problema da gordura no fígado”, diz o endocrinologista e coordenador da pesquisa Carlos Eduardo Barra Couri. “Estamos diante de uma doença que não só pode acarretar cirrose ou câncer como aumenta o risco cardiovascular, a principal causa de morte no país.”

arte fígado

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Há, contudo, avanços. Ainda que métodos como a elastografia não sejam tão disponíveis pelo Brasil, exames de sangue e imagem ajudam a visualizar o bom funcionamento do órgão. Por isso, não só os hepatologistas mas também outras especialidades têm insistido em contemplar mais o fígado dentro dos check-ups periódicos. A conscientização também precisa vir a público, como demonstra um estudo encomendado pelo Instituto Brasileiro do Fígado (Ibrafig) que avaliou as percepções e os cuidados tomados entre 1 995 cidadãos. “A maioria desconhece que as hepatites virais também são causas importantes de cirrose e câncer hepático, o que a leva a negligenciar a vacinação para hepatite B e a testagem para as hepatites B e C”, afirma o hepatologista Paulo Bittencourt, professor da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e idealizador da investigação, recém-publicada no periódico científico para as Américas do The Lancet.

A reversão do cenário ruim encontrado tanto entre médicos como pacientes passa pela disseminação de informação correta e por políticas públicas — combinação que contribui inclusive para reduzir os custos exorbitantes dos tratamentos dessas condições em seus estágios mais graves. “Existem estratégias simples para mudar esse panorama, como capacitação dos profissionais para aconselhamento da população, estímulo ao controle do álcool, à perda de peso e à alimentação saudável, além de exames laboratoriais, disponíveis inclusive no SUS”, diz Bittencourt. A julgar pela lista de tarefas que o fígado executa pelo corpo humano, é prudente conceder-lhe a prioridade que merece. Ele não pode ser esquecido.

Publicado em VEJA de 26 de julho de 2023, edição nº 2851

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