Digital Completo: Assine a partir de R$ 9,90

Pesquisa detecta agrotóxicos na chuva em três cidades brasileiras; veja quais

Análises indicaram a presença de 14 pesticidas e cinco compostos derivados, com destaque para o herbicida atrazina e o fungicida carbendazim, proibido no país

Por Michele Fernandes Gonçalves | Agência FAPESP
25 abr 2025, 10h00

Estudo divulgado na revista Chemosphere revelou que a água da chuva nas cidades paulistas de Brotas e Campinas, bem como na capital do Estado, São Paulo, está contaminada com agrotóxicos.

Coordenada por Cassiana Montagner, professora do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ-Unicamp), a pesquisa analisou a fração de agrotóxicos dissolvidos na água da chuva coletada durante 36 meses, entre 2019 e 2021.

Quando aplicados nas lavouras, parte dos agrotóxicos se dissipa na atmosfera. Fatores como vento, temperatura e umidade influenciam sua distribuição e, em condições específicas, as substâncias se condensam nas gotas de chuva, podendo retornar ao solo e contaminar corpos d´água em áreas distantes das plantações. Por isso, além de calcular as concentrações dos agrotóxicos, o grupo também estabeleceu correlações com dados climáticos – como volume da precipitação, direção e velocidade dos ventos –, na tentativa de compreender as dinâmicas e rotas aéreas dessas substâncias, bem como o papel da quantidade de chuvas no seu retorno à terra firme.

Nas amostras coletadas, foram detectados 14 agrotóxicos e cinco compostos derivados, com destaque para o herbicida atrazina, presente em 100% das amostras, e o fungicida carbendazim, proibido no Brasil, mas ainda encontrado em 88% do material coletado. Outros produtos também apareceram em concentrações alarmantes e o herbicida tebuthiuron foi detectado pela primeira vez em água de chuva, estando presente em 75% das amostras.

Apesar de as concentrações não ultrapassarem os limites permitidos para a água potável no Brasil, parte das substâncias detectadas não tem padrões de segurança estabelecidos, ou seja, não há indicadores de concentração segura. Além disso, segundo os pesquisadores, a exposição crônica a baixas doses pode causar danos à saúde humana e à vida aquática.

Continua após a publicidade

Dimensionando o risco

No estudo, o herbicida 2,4-D foi o composto com maior concentração na água de Brotas. A substância tem gerado preocupação entre os pesquisadores e as agências de regulação devido à alta capacidade de transporte pelo ar e aos efeitos deletérios já comprovados para a fertilidade humana, fato que fez sua aplicação aérea ser proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2023. A aplicação por aerossol, no entanto, ainda é permitida.

O 2,4-D foi foco de outra pesquisa conduzida por Montagner em parceria com o professor da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP) Evaldo Luiz Gaeta Espindola, que indicou potencial tóxico para o ambiente mesmo com aplicação dentro dos parâmetros permitidos pela Anvisa.

A pesquisa com o 2,4-D também mediu os efeitos de outro agrotóxico que traz apreensão, o fipronil, conhecido por ser potencialmente tóxico para as abelhas e cuja meia-vida em ambientes aquáticos é longa, chegando a 220 dias. O inseticida já foi banido na União Europeia, mas continua registrado para uso no Brasil e nos Estados Unidos. No estudo com a água da chuva em Brotas, Campinas e São Paulo, o fipronil também apareceu como possível vilão. Ele foi detectado em pelo menos 67% das amostras analisadas e seus níveis foram considerados de risco para a vida aquática nas três cidades analisadas.

Continua após a publicidade

O estudo sobre toxicidade e risco ambiental realizado pelos grupos coordenados por Montagner e Espindola empregou a metodologia dos chamados “mesocosmos”, que imitam ambientes naturais, como lagos e pequenas lagoas. Eles consistem em estruturas fechadas (caixas d´água, por exemplo) enterradas no solo e preenchidas com água e sedimento. Essas estruturas são deixadas por vários meses em ambientes semiabertos para serem colonizadas por flora e fauna locais. Após um ecossistema simples ter se formado, os pesquisadores habitam as estruturas com animais e plantas cuja resistência aos agrotóxicos querem testar e as contaminam com as substâncias a serem analisadas.

A mesma metodologia agora está sendo empregada em outro grande projeto de pesquisa, ao qual se integra Walter Ruggeri Waldman, docente no Departamento de Física, Química e Matemática da Universidade Federal de São Carlos – campus Sorocaba (DFQM-So-UFSCar), onde lidera o Grupo de Pesquisa em Poluição Plástica (GPPP). Intitulada “Destino e impactos de microplásticos e pesticidas em matrizes aquáticas e terrestres em contextos agrícolas“, a iniciativa é financiada pela FAPESP.

O objetivo é testar o grau de toxicidade e a degradação dos agrotóxicos quando associados a microplásticos. Isso porque na agricultura tradicional são usados plásticos para cobrir algumas lavouras, que vão se degradando em pedaços cada vez menores e se depositando no solo. Desse modo, os microplásticos podem se tornar veículos de transporte de agrotóxicos, carregando-os para regiões mais distantes do que poderiam ir sozinhos e aumentando sua persistência no ambiente.

Continua após a publicidade

Exposição subestimada

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, utilizando 70% a mais do que o segundo colocado, os Estados Unidos. As lavouras de soja, cana-de-açúcar, milho e algodão são as que mais recebem esses produtos, sendo regadas com aproximadamente 83% do total comercializado no país. Vários deles já são banidos na União Europeia, que possui leis mais rígidas e baseadas em evidências científicas, mas seguem em uso no Brasil.

Nesse cenário, os resultados obtidos nos estudos coordenados por Montagner preocupam por vários motivos, entre eles o aumento do consumo de água da chuva pelas populações humanas em decorrência da restrição hídrica cada vez mais frequente. A ausência de regulamentação para muitos dos agrotóxicos encontrados nas amostras coletadas em Brotas, Campinas e São Paulo indica que o risco desse consumo pode estar subestimado. O que os pesquisadores sugerem é justamente que estratégias de monitoramento e tratamento sejam implementadas, com base no conhecimento científico que vai sendo construído.

Compartilhe essa matéria via:
Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 9,90/mês*
OFERTA RELÂMPAGO

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a R$ 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.