Pesquisa abre caminho a psicodélico antidepressivo sem ‘viagem’
Experimento brasileiro demonstra potencial de substâncias como psilocibina e indica formas de ter o efeito terapêutico sem alucinações
Após anos de repressão na guerra às drogas iniciada nos anos 1970, os benefícios da psilocibina, alucinógeno encontrado em cogumelos psicodélicos – também conhecidos como “cogumelos mágicos” –, voltam a ser alvo da ciência e da medicina. E ganham a cena com ares de promessa para o tratamento de transtornos mentais como a depressão.
O estudo mais recente, publicado no periódico Nature Neuroscience e liderado pela Universidade de Helsinque, na Finlândia, com participação de pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, traz uma descoberta que pode transformar a forma como esses compostos são vistos e usados.
No cerne, a pesquisa demonstra o potencial, em camundongos, de se dissociar os efeitos antidepressivos e promotores de neuroplasticidade dos psicodélicos de suas propriedades alucinógenas. Ou seja, é possível aproveitar os benefícios terapêuticos dessas substâncias sem que os pacientes experimentem “viagens psicodélicas”.
O grupo de trabalho desvendou que as moléculas de psilocibina e LSD se ligam a um receptor em células cerebrais com força mil vezes maior que antidepressivos clássicos, como fluoxetina. Esse vínculo intensificado impulsionaria um elemento-chave para a saúde cerebral, o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), que controla a formação de neurônios e as conexões entre eles.
Tal neuroplasticidade é tida como mecanismo bioquímico provável por trás do efeito terapêutico de psicodélicos, na medida em que conexões novas abririam caminhos alternativos para reprocessar traumas, angústias e ideias negativas.
Entretanto, uma questão interessante levantada pela pesquisa é que, apesar de o receptor celular ser crucial para a ação das drogas, ele não parece estar envolvido na indução de alucinações. Ou seja, tudo leva a crer que existam mecanismos separados para esses dois efeitos.
As descobertas apontam que os efeitos alucinógenos dos psicodélicos são mediados pela ativação de receptores de serotonina no cérebro. Isso indica um possível caminho para que pesquisas futuras desenvolvam versões desses medicamentos que preservem seus efeitos antidepressivos, mas que minimizem ou eliminem completamente seus efeitos alucinógenos.
Essa possibilidade de utilização mais ampla dos psicodélicos na prática clínica ganha ainda mais relevância quando consideramos que, somente em fevereiro, a Austrália se tornou o primeiro país do mundo a permitir que psiquiatras prescrevam psilocibina e MDMA para tratamento de doenças mentais resistentes a abordagens convencionais.