PEC do Plasma: entenda polêmica que envolve sangue humano
Proposta prevê possibilidade de processamento e venda de componente pela iniciativa privada; CCJ incluiu votação na pauta desta quarta
Após ser adiada sete vezes, a última no fim de agosto, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado incluiu na pauta desta quarta-feira, 4, a votação da proposta de emenda à Constituição (PEC) 10/2022, mais conhecida como PEC do Plasma, que prevê a liberação da coleta, processamento e comercialização pela iniciativa privada deste componente do sangue usado no desenvolvimento de tratamentos para algumas doenças. A proposta, se for adiante, altera o artigo 199 da Constituição, que impede a retirada de tecidos, órgãos e substâncias de seres humanos mediante remuneração.
O debate sobre o tema tem sido intenso e polêmico dentro e fora do Senado. Os parlamentares têm feito alterações no texto para entrar em um consenso sobre o processamento do plasma pela rede privada, algo que é feito apenas na esfera pública. O ponto que mais causou discussão foi a possibilidade de remunerar a coleta do material, ou seja, pagar os doadores. Um novo relatório, no entanto, foi apresentado pela relatora, a senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), com a ideia de que uma futura lei tenha como foco o pagamento pela coleta.
Ao justificar o projeto, o senador Nelsinho Trad (PSD-MS) explica que o país desperdiça grande quantidade do plasma, usado na composição de medicamentos hemoderivados destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS), que podem ajudar pacientes com hemofilia, por exemplo, é desperdiçada. Ele apresentou dados do Tribunal de Contas da União (TCU) que apontam perda de cerca de 600 mil litros de plasma entre 2017 e 2020.
Foram feitas emendas no texto que pode ser votado nesta quarta-feira. Entre elas, a determinação de que o material pode ser usado no desenvolvimento de novas tecnologias e que o processamento pela rede privada deve estar sujeito às necessidade dos Ministério da Saúde, que precisará fornecer uma autorização específica.
Debate nas redes pública e privada
Na semana passada, a ministra da Saúde Nísia Trindade declarou que a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) atua no desenvolvimento de produtos derivados do sangue e que, ainda neste ano, começará a entregar o fator 8 para quem vive com hemofilia. Em 2025, está prevista a oferta de outros produtos obtidos a partir do plasma. Nísia cravou que o governo trabalha “para que o sangue não seja uma mercadoria”.
A posição é endossada pelo secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, Carlos Gadelha. “O Brasil não pode voltar ao tempo em que as pessoas em situação de pobreza vendiam o sangue. A Constituição trouxe uma conquista para a população e o sangue é doado por altruísmo e passa por rigorosa avaliação. Seria uma regressão civilizatória.”
Em entrevista a VEJA, Gadelha diz que já há parcerias com a iniciativa privada na cadeia de processamento do plasma e que o projeto não vai estimular as doações de sangue. “Se o sangue virar uma mercadoria, pode ser usado para exportar e causar um apagão no país.”
Sobre o desperdício citado na proposta, ele nega. “Trabalhamos com câmaras frias de processamento e, fora a reserva técnica infinitesimal, a perda é nula.” Segundo ele, a perda pode ocorrer se a Hemobrás, cuja planta vai começar a rodar para análise da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no fim deste ano, for deixada de lado com o avanço da proposta. “Foi um investimento de R$ 1,4 bilhão e são 17 blocos construídos. Isso pode inviabilizar o maior investimento em biotecnologia no Nordeste do país.”
Presidente da Associação Brasileira de Banco de Sangue (ABBS) – ligada aos serviços privados -, Paulo Tadeu Rodrigues de Almeida diz que a Hemobrás começou a ser construída há 19 anos e, mesmo quando estiver atuando em plena capacidade, não vai atender toda a demanda do país.
“A gente torce para que a Hemobrás passe a cumprir o papel dela, mas ela não vai conseguir atender mais do que 60% do país, porque não tem capacidade nem matéria-prima.”
Almeida afirma que a PEC resolveria esse problema e evitaria o montante descartado pela iniciativa privada, que, na atual regra, não pode processar o material.
“A situação não permite o envio para a indústria. Não podemos mandar o plasma para a indústria lá fora e temos de descartar. A gente acredita que existe espaço para que iniciativa pública e privada atuem, porque é algo que beneficia todos os brasileiros.”
(com Agência Brasil e Agência Senado)