Óculos poderão detectar glaucoma antes do surgimento dos sintomas
O novo dispositivo é capaz de realizar o diagnóstico da doença com precisão até 30% maior que os exames atuais. Tecnologia poderá chegar ao país em 2018
Pesquisadores da Universidade Duke e da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e da National Chiao Tung, na China, desenvolveram uma tecnologia inédita de realidade virtual capaz de realizar o diagnóstico do glaucoma. O mecanismo acessa as respostas diretamente de ondas cerebrais.
Batizado de nGoggle, o dispositivo assemelha-se aos óculos de simulação 3D e capta as reações do paciente ao estímulo visual apresentado no visor. Isso é feito por meio de eletrodos no lobo occipital, região do cérebro que processa as imagens. As respostas, geradas pela tecnologia de análise de dados chamada mfSSVEP, são enviadas diretamente para o computador do médico.
“A ideia é ter um dispositivo portátil para facilitar o diagnóstico e o segmento do glaucoma, principalmente em regiões menos favorecidas. Hoje em dia, é muito difícil você ter um aparelho que teste a função visual de forma simples e confortável”, disse o brasileiro Felipe Medeiros, chefe de oftalmologia da Universidade Duke, na Carolina do Norte.
Glaucoma e exames
A pressão intraocular elevada é um dos fatores que levam à suspeita do glaucoma, uma doença do nervo óptico. De acordo com Francisco Max Damico, oftalmologista e professor livre-docente da Faculdade de Medicina da USP, que não teve envolvimento no estudo, depois do exame da pressão do nervo, o campo visual computadorizado e a tomografia de coerência óptica são os principais exames da doença.
No primeiro, a máquina realiza testes que detectam os danos funcionais iniciais da doença – a perda da visão periférica – quando já existe uma grande perda celular, já em nível avançado. Segundo Damico, esse exame é indicado para acompanhar um tratamento, pois não auxilia tanto no diagnóstico e tem resultados muito subjetivos.
“No exame de campo visual, teste padrão para a avaliação funcional do glaucoma, o paciente encosta o queixo em um lugar fixo da máquina, precisa fixar o olhar em uma luz central e apertar um botão quando visualizar o estímulo periférico”, explicou Fábio Daga, um dos pesquisadores envolvidos no projeto. “O problema é que esse exame é desconfortável, além de não ser muito produtivo, porque, caso o paciente mova o olhar do ponto central, ele pode dar resultados equivocados.”
Já a tomografia de coerência óptica mostra as fibras nervosas da retina e acusa possíveis danos estruturais. Segundo Damico, esse exame quantifica as alterações do nervo óptico de forma mais objetiva.
Maior precisão
Em um estudo publicado em abril deste ano no periódico científico JAMA Ophthamology, o nGoggle mostrou entre 25% e 30% mais chances de identificar a doença do que o atual teste de campo visual. Os pesquisadores testaram o dispositivo em 33 pessoas com glaucoma (leve a moderado) e outras 17 com olhos saudáveis e compararam com os resultados obtidos pelo exame convencional.
Ao contrário do exame, a nova tecnologia mostrou-se mais precisa e confiável. Devido ao seu sistema de filtragem de dados, eletro-oculograma, o dispositivo é capaz de gerar um resultado menos propenso a erros. “Nos óculos, temos uma forma de avaliar a movimentação ocular. Ainda temos que evolui-la, mas através dela já conseguimos resultados melhores que os exames disponíveis atualmente”, disse Daga.
Progressão da doença
Durante o 61º Congresso Brasileiro de Oftalmologia, que aconteceu na última semana em Fortaleza, foi apresentada uma nova fase do estudo, que comparou a efetividade do dispositivo à tomografia de coerência óptica. Apesar de o nGoggle não ser capaz de identificar lesões como a tomografia, segundo os pesquisadores, no que diz respeito ao diagnóstico, seus resultados foram semelhantes e levemente superiores ao do exame padrão.
Pelo fato de acessar apenas os danos iniciais, a tomografia apresenta uma certa limitação em medir a progressão da doença. Esse é outro problema que os cientistas pretendem resolver. Nos próximos estudos, eles irão testar a capacidade e a precisão do dispositivo ao longo dos anos, através da tecnologia de deep learning.
Aprovação no mercado
“Hoje em dia, se houver alguma lesão suspeita que mostrem se parte das células da retina já morreram, realizamos os exames disponíveis, um capaz de identificar danos iniciais e outro mais profundos. O nGoggle teve resultados melhores comparado aos dois, mesmo com pacientes em estados iniciais da doença”, disse Daga.
Para o ano que vem, Medeiros, que também é professor orientador de universidades brasileiras, tem planos de trazer o dispositivo para ser testado no Brasil e em diferentes estudos multicêntricos. Em breve, o dispositivo estará disponível nos Estados Unidos para uso clínico. “No momento atual, estamos desenvolvendo novos protótipos para aprovação do FDA [agência americana que regula medicamentos].”
Glaucoma
Estima-se que 60 milhões de pessoas no mundo tenham glaucoma, sendo 1,5 milhão no Brasil, e que 8 milhões de indivíduos não enxerguem devido a complicações do problema. A doença é caracterizada por uma lesão no nervo óptico provocada principalmente pelo aumento da pressão intraocular. O nervo óptico é o responsável por levar as imagens captadas pela retina ao cérebro. Por isso, a condição compromete a visão de forma progressiva e irreversível – e pode, em alguns casos, causar cegueira.
O grande desafio do diagnóstico precoce é que a fase inicial do glaucoma não tem sintomas. Quando o paciente começa a se queixar de problemas relacionados à perda da visão periférica – como esbarrar nas paredes ou tropeçar em degraus -, a doença já avançou. “É como se fosse a pressão alta, o paciente tem pressão alta e não sente nada, só sente quando tem um infarto ou um AVC. No glaucoma, o paciente só vai sentir quando tem uma perda importante da visão.”, explica Medeiros.