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O que a gordura tem a ver com a Covid-19?

Gordura visceral, que envolve os órgãos vitais, é mais perigosa do que a que se acumula abaixo da pele

Por Karina Toledo | Agência FAPESP
21 nov 2022, 12h03

Experimentos conduzidos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade de São Paulo (USP) indicam que a gordura visceral – aquela que envolve os órgãos vitais e é considerada um fator de risco para doenças cardiovasculares, diabetes e hipertensão – contribui mais para o agravamento da Covid-19 do que a gordura existente abaixo da pele, que dá forma aos infames “pneuzinhos”.

Para chegar a essa conclusão, o professor do Instituto de Biologia da Unicamp Marcelo Mori, um dos líderes da pesquisa publicada na Nature, infectou em laboratório dois tipos de adipócitos: um obtido a partir de células-tronco humanas isoladas do tecido adiposo subcutâneo e outro diferenciado a partir de células-tronco do tecido adiposo visceral.

“Foi possível observar que o adipócito visceral é mais suscetível à infecção pelo SARS-CoV-2, pois a carga viral aumenta bem mais nesse tipo de célula de gordura do que no adipócito subcutâneo. Acreditamos que isso se deve, principalmente, à maior presença da proteína ACE-2 (a qual o vírus se conecta para invadir a célula) na superfície celular”, conta Mori à Agência FAPESP.

Além disso, os pesquisadores notaram que, ao ser infectado, o adipócito visceral produz uma quantidade maior de citocinas pró-inflamatórias – moléculas que sinalizam para o sistema imune a existência de uma ameaça a ser combatida.

A pesquisa, divulgada na revista Nature Communications, contou com a participação de diversos grupos de pesquisa da Unicamp, além de colaboradores da USP, do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio-CNPEM), do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor). Entre os coordenadores estão os professores Luiz O. Leiria (USP), Mariana Osako (USP) e Daniel Martins-de-Souza (Unicamp). A investigação recebeu financiamento da FAPESP por meio de 20 projetos.

Reservatório viral

A equipe de Mori na Unicamp foi a primeira do mundo a mostrar – em julho de 2020 – que o SARS-CoV-2 era capaz de infectar células de gordura humanas e a sugerir que o tecido adiposo serviria de reservatório para o vírus.

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“Depois disso, outros trabalhos confirmaram que o adipócito de fato pode ser infectado. E, ao analisarmos amostras de pacientes que morreram de Covid-19, vimos que a presença do vírus no tecido adiposo é relativamente frequente, cerca de 50% dos casos”, conta o pesquisador.

O grupo então decidiu investigar se havia diferença na forma como as células adiposas viscerais e subcutâneas respondiam à infecção. No que diz respeito às doenças metabólicas, as evidências da literatura científica mostram que a gordura visceral é a principal vilã, enquanto a gordura subcutânea tende a ser neutra ou até mesmo benéfica.

“Queríamos avaliar se no contexto da Covid-19 havia uma relação semelhante”, conta Mori. “E de fato nosso modelo sugere que, quanto mais abundante é o tecido adiposo visceral no indivíduo com obesidade, mais chances o vírus tem de se replicar e isso acaba amplificando o processo inflamatório.”

No adipócito subcutâneo, por outro lado, o grupo observou que a infecção leva a uma diminuição da lipólise, como é conhecido o processo de quebra dos lipídeos em moléculas de ácidos graxos que podem ser usadas como fonte de energia durante atividade física ou períodos de jejum.

“Nossa hipótese é que isso representa uma resposta celular antiviral. Há estudos mostrando que a inibição da lipólise diminui a capacidade replicativa do SARS-CoV-2, o que pode ser explicado pelo fato de o vírus precisar de lipídeos para produzir seu envelope e, além disso, demandar energia da célula para fazer cópias de seu material genético”, explica Mori. Segundo o pesquisador, portanto, a diminuição da lipólise no tecido adiposo subcutâneo pode ser algo positivo para nós humanos e uma má notícia para o vírus.

Respostas antagônicas

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Os adipócitos viscerais foram expostos a duas linhagens diferentes do SARS-CoV-2: a ancestral, oriunda de Wuhan, na China, e isolada de um dos primeiros brasileiros diagnosticados com Covid-19; e a gama (P.1.), que emergiu no fim de 2020 em Manaus. A diferença de suscetibilidade em relação aos adipócitos subcutâneos foi vista apenas com a cepa ancestral.

“Vimos que a variante de Manaus tem uma capacidade menor de infectar as células viscerais em comparação à cepa ancestral. E, por meio de proteômica [análise do conjunto de proteínas produzidas pela célula], observamos que, enquanto a linhagem de Wuhan leva a uma diminuição de diversas proteínas relacionadas à resposta de interferon na célula [mecanismo do sistema imune para combater vírus], a gama leva a um aumento. Ou seja, com a cepa de Manaus o adipócito produz mais proteínas que promovem uma resposta antiviral”, conta Mori.

Segundo o pesquisador, estudos recentes apontam que, com as novas variantes virais, há uma queda nos casos graves de Covid-19 entre pessoas com obesidade. “Mas esse fenômeno pode ter influência de outros fatores, como vacinação ou infecção prévia. Ou talvez esses indivíduos estejam se cuidado mais por saberem que pertencem a um grupo de risco”, diz.

Para tentar avançar na compreensão do tema, o grupo pretende fazer novos experimentos em culturas de adipócitos com as linhagens delta e ômicron.

Outro objetivo futuro é investigar possíveis impactos metabólicos da infecção pelo SARS-CoV-2 em médio e longo prazo. “Queremos descobrir se a infecção muda o risco de o indivíduo desenvolver diabetes ou doenças cardiovasculares, por exemplo. Para isso uma possibilidade é estudar amostras de pacientes que tiveram Covid-19 e depois foram submetidos a cirurgia bariátrica e verificar se com a infecção ocorrem alterações morfológicas e funcionais no tecido adiposo visceral”, conta.

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