O elo perdido: um vírus pode estar por trás do desenvolvimento do lúpus
Cientistas encontram prova importante de que uma infecção desperta o processo que induz a imunidade a se voltar contra o próprio corpo
Doenças autoimunes envolvem alguns dos maiores mistérios que a medicina ainda tenta desvendar – e, não à toa, a revelação de peças importantes desse quebra-cabeça rendeu um Prêmio Nobel neste ano. Há algum tempo se suspeita que vírus podem puxar uma espécie de gatilho para o processo que faz o organismo agredir a si mesmo.
Agora, um experimento publicado numa importante revista científica corrobora a ideia, concluindo que um patógeno bastante prevalente, o vírus Epstein-Barr (EBV), seria um agente determinante para a eclosão do lúpus, problema que acomete ao menos 300 000 brasileiros.
Os cientistas da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, utilizaram um novo método de investigação genômica para analisar a estrutura molecular de células de defesa, os linfócitos B, infectadas pelo EBV, e compará-las às suas contrapartes não dominadas pelo vírus. São justamente essas células as mais ativas no “autoataque” do lúpus.
Descobriram, assim, que a infecção viral desata uma série de reações imunológicas que, no fim, reprogramam nossas unidades de defesa para bombardear tecidos do corpo e armar o lúpus eritematoso sistêmico, condição que pode provocar lesões na pele, nas articulações, nos rins, no sistema nervoso…
“Os resultados desse estudo fornecem uma base para explicar uma teoria que circula desde a década de 1980 e implica o vírus Epstein-Barr na origem do lúpus”, diz a reumatologista Luciana Costa Seguro, membro da Comissão de Lúpus da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR). “As alterações causadas pela infecção levariam a uma ativação do sistema imunológico que aumenta e perpetua o processo autoimune.”
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O lúpus e o vírus
O lúpus é uma doença que se manifesta sobretudo entre pessoas jovens, a maioria do sexo feminino, entre 15 e os 40 anos, embora também possa acometer mais raramente crianças. “Ela é caracterizada pela produção de autoanticorpos, que agem contra órgãos da própria pessoa”, explica Seguro.
Assim, em vez de só fabricar anticorpos para deter uma infecção por vírus ou bactéria, por exemplo, a imunidade enxerga algumas células nossas como um inimigo e alvo a ser eliminado, liberando moléculas para combatê-lo.
“Os estudos indicam que as pessoas desenvolvem a doença em função de uma predisposição genética, mas existem fatores ambientais que desencadeiam o problema em quem já tiver essa suscetibilidade”, esclarece a reumatologista.
O ponto é que, até hoje, apesar de pesquisas sugerirem um elo entre o lúpus e a infecção por EBV, não havia uma comprovação de que o vírus seria a faísca do processo autoimune e inflamatório. É essa lacuna que a experiência americana, publicada na revista Science Translational Medicine, tenta preencher.
“Ainda nos anos 1980 se levantou a hipótese de que esse vírus era um forte candidato a desencadear o lúpus em pessoas geneticamente predispostas. Observou-se, por exemplo, que os níveis de anticorpos contra o EBV eram maiores no sangue de pessoas com a doença”, relata a especialista da SBR.
O vírus Epstein-Barr pertence à família do herpes e é extremamente contagioso, sendo transmitido por gotículas de saliva. Causa a mononucleose, quadro por trás de febre e dor e inflamação na boca e na garganta, apesar de alguns episódios serem assintomáticos.
Os cientistas também estão apurando seu envolvimento em outras doenças autoimunes. Recentemente, foi apontado um elo entre o EBV e a esclerose múltipla, que afeta o sistema nervoso. Por ora, o entendimento dos experts é que a infecção se soma a uma propensão genética para despertar essas enfermidades.
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Enredo complexo
A médica Luciana Costa Seguro explica que, no lúpus, a maior parte dos autoanticorpos miram proteínas guardadas dentro das células-alvo, que normalmente estariam escondidas do sistema imune. “Uma das grandes hipóteses é a de que alguns vírus, que são parasitas intracelulares obrigatórios, expõem essas proteínas a partir do momento que as células infectadas por eles entram em processo de morte e liberam essas moléculas na circulação”, descreve.
“O Epstein-Barr gosta de infectar justamente os linfócitos B, uma das principais células com a resposta alterada no lúpus e o responsável pela produção dos autoanticorpos”, detalha a especialista.
O estudo recém-publicado revela que as células B tomadas pelo vírus ganham características que lhes tornam particularmente suscetíveis a disparar as agressões inflamatórias típicas do lúpus. Na verdade, os pesquisadores demonstraram que a infecção dispara uma série de reações que culminam na produção dos autoanticorpos.
O achado abre portas a novas linhas de investigação para descobrir formas de barrar a infecção ou sua capacidade de reprogramação genética a fim de prevenir ou mitigar o surgimento de doenças autoimunes como o lúpus.
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