O desafio da logística do armazenamento e da distribuição das vacinas
A imunização dos brasileiros contra a Covid-19 agora terá de enfrentar uma complexa etapa
Há uma avenida de esperança. Nas últimas três semanas, quatro laboratórios que desenvolvem vacinas contra a Covid-19 anunciaram extraordinários resultados de estudos em fase final de pesquisa. As americanas Pfizer e Moderna, a britânica AstraZeneca e a russa Gamaleya asseguraram taxas de eficácia de até 95% em seus produtos, índice excepcional para um imunizante. A CoronaVac, desenvolvida pela chinesa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan, em São Paulo, deverá comprovar efeito positivo semelhante dentro de uma semana. Parece não haver dúvida: o mundo terá uma vacina. Cabe agora um desafio monumental: a engrenagem logística para que as doses cheguem aos cidadãos. No Brasil, trata-se de armazenar e distribuir pelo menos 188 milhões de unidades ao longo do primeiro semestre de 2021, segundo os contratos já assinados com o Ministério da Saúde.
Há gargalos em estudo, à busca de solução. Um dos mais relevantes é a possibilidade de uma sobrecarga no mercado de seringas e agulhas. Em relação a esse nó, a União apenas realizou uma consulta pública em 20 de agosto prevendo a demanda de 80 milhões de seringas para compra no mercado brasileiro. As iniciativas de aquisição mais avançadas são dos estados, a exemplo de Paraná e São Paulo, que iniciaram negociações com as distribuidoras. O problema em relação à demora na decisão é que os fabricantes afirmam precisar de mais tempo para conseguir produzir quantidades excedentes. “Não é possível produzir um volume tão grande do dia para a noite”, diz Walban Damasceno, diretor da Becton Dickinson, empresa líder no setor. A título de comparação: o Canadá já havia encomendado 37 milhões de seringas em junho, número que corresponde à população total do país, e o Reino Unido, outros 65 milhões, diante de uma população total de 66,6 milhões. Outro ponto nevrálgico é a refrigeração das doses, sobretudo diante da notícia de que um dos imunizantes mais potentes, o da Pfizer, precisa ser acondicionado sob uma temperatura de 70 graus negativos — o índice é inatingível nos equipamentos de refrigeração brasileiros, que chegam só a 20 graus negativos. Outros imunizantes podem ser acondicionados em temperaturas de 2 a 8 graus.
Ressalve-se, por óbvio, que, antes de guardar os vidrinhos e oferecer as agulhadas, é forçoso transportar as substâncias. Em setembro, a Associação Internacional de Transportes Aéreos alertou governos ao redor do mundo sobre o tamanho dos desafios logísticos da distribuição global de uma vacina contra a Covid-19. A instituição estima que 8 000 aviões do porte de um Boeing 747 seriam necessários para fazer chegar uma única dose da vacina a 7,8 bilhões de pessoas.
Felizmente, o Brasil está bem posicionado. O ótimo histórico do Programa Nacional de Imunizações, criado em 1973, dá ao país vantagens em relação a outros cantos. Hoje, o SUS distribui 300 milhões de vacinas por ano, para um total de 37 000 postos de vacinação. No mundo, estima-se que até 30% da produção possa ser perdida do transporte às etapas de aplicação. Aqui a taxa não passa de 10%. O caminho está traçado, mas o sinal amarelo está aceso: exige-se esforço para que finalmente a pandemia seja aplacada e a vida, retomada.
Publicado em VEJA de 2 de dezembro de 2020, edição nº 2715