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‘Não queremos que passem por cirurgia de siso na mesma ignorância que nós’

Ricardo Costa Albanese relata a VEJA a dor pela perda da filha única, Isadora, aos 18 anos, e a luta pela regulamentação do procedimento no Brasil

Por Diego Alejandro
Atualizado em 21 ago 2023, 19h03 - Publicado em 21 ago 2023, 18h05
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  • No dia 10 de março, minha única filha, Isadora, que recém-ingressava na faculdade de psicologia aos 18 anos, foi ao dentista realizar a extração do siso do lado direito. A profissional era de confiança, aqui de Porto Feliz, interior de São Paulo, e cuidava dos dentes dela desde sua infância. Tanto a cirurgia quanto a recuperação correram bem. Nós retornamos após pouco mais de um mês para fazer o procedimento do lado esquerdo.

    A princípio, tudo ocorreu como na primeira vez. No dia seguinte, à noite, a região estava mais inchada do que antes e, na madrugada, Isadora nos acordou e disse para mim e minha esposa, Grasiela, que não estava conseguindo dormir por causa da dor. Liguei para a dentista, que falou que aquilo era comum, mas, após minha insistência, pediu para passar em seu consultório. Depois de examinar a Isadora, ela avaliou que tudo estava em ordem com os pontos, mas suspeitava que o antibiótico prescrito não estava funcionando. Receitou outro e aumentou a medicação para a dor.

    Mas tudo piorou. À tarde, a dor era tanta que minha filha vomitava e mal respirava. Nós ligamos de novo e a dentista reiterou que tudo era normal, que não deveríamos ficar nervosos, pois ia assustar ainda mais nossa filha. Se piorasse, a orientação era para passar de novo em seu consultório de manhã seguinte. Não ouvimos. Fomos naquela noite para o Hospital Modelo, em Sorocaba, onde Isadora deu entrada às 21 horas.

    Lá, ela fez hemograma e tomografia, enquanto aguardávamos o parecer do bucomaxilo (cirurgião bucomaxilofacial), um médico chamado Geraldo – algo que levou 14 horas. A impressão que deu é que, por ser uma “dor de dente”, ela devia ficar sentada em uma cadeira desconfortável enquanto outros passavam na frente. Mas a infecção não foi paciente como nós. O doutor Geraldo chegou às 11 da manhã para dizer que era um caso grave, de “ou operava ou operava”. Na mesa de cirurgia, Isadora teve uma parada cardíaca de quatro minutos. Ela foi para a UTI e o cirurgião assegurou que a cirurgia foi um sucesso, apesar do susto. Na madrugada, ela teve uma segunda parada e a equipe ficou quase 40 minutos tentando reanimação. Às 6h17 do dia 23 de abril, eu perdi minha filha.

    Já no velório, diversos amigos fizeram perguntas que martelaram nossas cabeças – “ela tinha feito tal exame?”, “tomou tal remédio?”, “fez tal procedimento?”. Quinze dias depois, o diretor do hospital nos chamou para uma reunião, esclarecendo que a cirurgia não tinha nem sido finalizada, como disse Geraldo, em decorrência da primeira parada cardíaca. A dor, indignação e inconformismo nos assolavam. Isso moveu minha esposa a fazer uma pesquisa ampla sobre o que realmente deveria ter sido feito, junto à Secretaria de Saúde, Secretaria de Epidemiologia e Vigilância Sanitária. Mas cada profissional se contradizia e a conclusão foi aterrorizante: não há protocolo, não há norma, não há estatística. Cada dentista age como aprendeu. A única recomendação que existe diz respeito a cuidados especiais para pessoas com comorbidades, àqueles que são saudáveis não resta nada.

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    “Eu não quero que nenhuma outra mãe viva o que estou vivendo”, Grasiela diz. Para isso, criamos o abaixo-assinado para que seja regulamentada a cirurgia do siso, que tomou um corpo gigante. São mais de 60 mil assinaturas até agora, além de 80 mil seguidores e 11 milhões de visualizações nas redes sociais. O que mais nos surpreendeu foi a quantidade de famílias que relataram situações similares, de sequelas gravíssimas ao óbito. O apoio está sendo enorme, inclusive, da classe odontológica. Muitos afirmam que está na hora de os dentistas agirem de outra forma e serem avaliados logo ao sair da faculdade, tal como a prova da OAB para advogados.

    Nós não sabemos se tudo que estamos pedindo será alcançado. Contudo, se conseguirmos ao menos alertar as pessoas para não passarem por uma cirurgia de siso na mesma ignorância que nós, será um tremendo alívio. Ainda falta uma parte em mim e na minha esposa. Nossa vida nunca será repleta novamente. E o que faz nós lutarmos por essa petição é crer que estamos honrando a memória da nossa filha e para mostrar que sua morte não foi em vão.

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