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Mulheres na Índia removem o útero para conseguir emprego

Indianas não são contratadas por causa da menstruação. Pela necessidade de trabalho, muitas fazem histerectomia ou tomam medicamentos de origem duvidosa

Por Redação
8 jul 2019, 18h56

Em alguns países, como Coreia do Sul e Japão, as mulheres podem tirar um dia de folga durante o período menstrual. Na índia, porém, a ausência no trabalho devido à menstruação – ou por qualquer outro motivo – é punida com multa. No estado indiano de Maharashtra alguns mulheres fazem histerectomia (remoção do útero) para conseguir trabalhar nas plantações de cana de açúcar. Outras optam por tomar medicamentos ilegais cujo objetivo é aliviar as cólicas menstruais para que possam trabalhar na indústria de vestuário de Tamil Nadu, no sul do país.

A escolha radical é consequência do preconceito que alguns empregadores têm contra as mulheres. O emprego no campo, por exemplo, demanda horas de trabalho pesado que não podem ser interrompidas por causa de cólicas. Na indústria, a necessidade do salário não permite que as mulheres percam dias de trabalho por problemas menstruais. Ou seja, para conseguir e manter o emprego, as mulheres precisam sacrificar a própria saúde e bem estar.

Histerectomia

Muitas famílias se deslocam para uma região da Índia chamada de “cinturão do açúcar” para trabalhar na colheita da cana por seis meses. Em Maharashtra, os empregadores preferem não contratar mulheres por temerem os prejuízos que as faltas por causa da menstruação possam trazer.

As condições sanitárias nesses locais também são desfavoráveis para as mulheres durante o período menstrual. As famílias vivem em cabanas ou barracas, onde não há banheiro. Às vezes, os trabalhadores precisam continuar trabalhando durante a noite. Ou seja, não há horas fixas para trabalho ou descanso.

As poucas condições de higiene ainda favorecem o surgimento de infecções. Por causa disso, médicos as incentivam a realizar cirurgias de remoção do útero, mesmo quando o problema ginecológico pode ser tratado com medicamentos, de acordo com ativistas que atuam na região.

Outro motivo que estimula a histerectomia nessas áreas é a quantidade de filhos: a maioria das mulheres é casada e jovem, muitas têm duas a três crianças. Como não são informadas adequadamente sobre as consequências da cirurgia, elas passam pelo procedimento acreditando que não há problemas.

Segundo informações do governo local, foram realizadas 4.605 histerectomia apenas no distrito de Beed nos últimos três anos. Embora Eknath Shinde, secretário de saúde de Maharashtra, tenha dito que nem todos os procedimentos foram feitos por mulheres que trabalham na colheita, uma investigação foi aberta para apurar diversos casos.

Um levantamento realizado pela BBC na Índia aponta que de outubro de 2018 e março de 2019, 80% dos moradores de Beed migraram para trabalhar em plantações de cana. Entre as mulheres da vila, metade passou pela histerectomia. Os dados indicam que a boa parte delas tem menos de 40 anos – algumas ainda estão na casa dos 20 anos de idade.

Os resultados do procedimento não foram os esperados. Por causa das limitações de saúde que apareceram depois da cirurgia, elas não conseguem trabalhar na lavoura. Para a BBC, uma delas relatou sentir “dor persistente nas costas, pescoço e joelhos” e ter as mãos, rosto e pés inchados ao acordar. Outra mencionou tonturas e dificuldades de caminhar mesmo distâncias curtas.

Medicamentos ilegais

Segundo a imprensa indiana, no estado de Tamil Nadu, onde está localizada a bilionária indústria de vestuário, a situação é igualmente precária. Mulheres dizem receber medicações não rotuladas no trabalho quando reclamam de dores e cólicas menstruais. Entrevistas realizadas pela fundação Thomson Reuters indicam que esses remédios raramente são fornecidos por profissionais de saúde, mas as mulheres tomam, pois precisam do salário e não podem perder dias de trabalho.

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Assim como a histerectomia, problemas de saúde têm surgido devido à ingestão desses medicamentos. A ausência de orientação médica sobre os riscos e efeitos colaterais também é uma constante. Entre os problemas associados ao remédio estão miomas, abortos espontâneos, infecção urinária, depressão e ansiedade. O governo local afirma que pretende monitorar a situação das mulheres trabalhadoras.

Concessão de folgas

Enquanto em diversas partes do mundo a participação e respeito às mulheres têm crescido, na Índia o caminho é inverso. Segundo a BBC, a força de trabalho feminina no país caiu de 36%, em 2005-2006, para 25,8% em 2015-2016. Apesar da precariedade para muitas mulheres, alguns lugares oferecem condições dignas de trabalho.

“O governo do Estado de Bihar vem permitindo que as funcionárias tirem dois dias extras de folga todos os meses desde 1992 e parece estar funcionando muito bem”, comentou Urvashi Prasad, especialista em políticas públicas do governo indiano, à BBC. Enquanto isso, uma deputada indiana apresentou um projeto de lei com o intuito de assegurar os dias de folga para todas as trabalhadores da Índia.

Prasad diz que há muitos desafios para que a política seja implementada no país, mas as mudanças seriam mais facilmente aceitas se começassem no setor formal. “O que precisamos é que o poderoso setor privado organizado e o governo se posicionem, precisamos que as pessoas no topo enviem os sinais certos. Nós temos que começar em algum lugar e, eventualmente, podemos esperar ver alguma mudança no setor informal também”, concluiu.

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