Mulheres com baixa massa muscular têm pior prognóstico no tratamento do câncer de mama
Estudo avaliou dados de 54 pacientes recém-diagnosticadas com a doença em estágio inicial

A manutenção da massa muscular tem se mostrado um fator crucial para pacientes em tratamento contra o câncer. Estudos demonstram que indivíduos com maior quantidade de músculo tendem a responder melhor às terapias, como quimio e radioterapia, além de apresentar menor risco de complicações e uma recuperação mais eficaz. Isso porque a musculatura desempenha um papel essencial no metabolismo, ajudando na regulação da resposta inflamatória e na absorção dos medicamentos. Pacientes oncológicos com baixa massa muscular, por outro lado, têm maior risco de toxicidade durante os tratamentos, o que pode levar a um pior prognóstico e menor taxa de sobrevida.
Estudo realizado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) com apoio da FAPESP avaliou dados de mulheres recém-diagnosticadas com câncer de mama e confirmou que aquelas com menor massa muscular no início do acompanhamento apresentaram um indicativo de prognóstico pior em comparação com as de massa muscular considerada normal. Os resultados foram publicados na revista Discover Oncology.
O trabalho integra uma análise secundária de um estudo maior, que explorou alterações metabólicas relacionadas à quimioterapia em mulheres com câncer de mama. A ideia dos pesquisadores foi avaliar as possíveis associações entre marcadores de massa muscular, avaliada por meio de tomografia computadorizada e do resultado do ângulo de fase (uma medida obtida na análise da bioimpedância).
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Ao todo, 54 pacientes foram recrutadas no Ambulatório de Mastologia do Hospital das Clínicas da FMRP, referência regional no Brasil. Elas haviam sido diagnosticadas com câncer de mama em estágio inicial e foram encaminhadas para a quimioterapia. Antes de iniciar o tratamento, todas passaram por avaliações antropométricas, teste de bioimpedância, tomografia computadorizada (com análise do recorte da terceira vértebra lombar), além de testes de função física (força de preensão manual, teste de velocidade da marcha e avaliação da fadiga) e exames de sangue.
Segundo a nutricionista Mirele Savegnago Mialich Grecco, autora do artigo e pesquisadora do Departamento de Ciências da Saúde da FMRP-USP, mulheres com câncer de mama são predispostas à perda de massa, ao comprometimento da qualidade muscular e à diminuição da força no decorrer do tratamento. E essas alterações podem servir como preditores de resultados adversos, incluindo mortalidade.
A escolha desse público para o estudo ocorreu porque existem muitas pacientes com excesso de peso ou obesidade, o que pode acabar mascarando a real situação da composição corporal da paciente. “Muitas vezes o excesso de peso passa uma falsa impressão de que está tudo bem com essa mulher, como se ela tivesse maior reserva de massa muscular. O tratamento tem uma alta toxicidade e gera uma resposta inflamatória muito importante, o que favorece a diminuição de massa muscular ao longo da jornada”, explica.
Grecco ressalta que a paciente com câncer de mama, na maioria das vezes, não tem o estereótipo de um paciente oncológico com tumores em outras regiões, que tende a perder peso mais rapidamente e de forma mais evidente – e isso pode atrapalhar a constatação de que está ocorrendo perda de massa muscular. “Se a gente não avaliar essa mulher mais profundamente, a diminuição de massa pode passar despercebida”, conta.
Caminho até os resultados
A tomografia de tórax é um exame que faz parte da rotina de tratamento dessas pacientes. Os pesquisadores decidiram fazer um corte das imagens (especificamente na região lombar, vértebra L3) para analisar a quantidade e a qualidade da massa muscular das mulheres com câncer antes que tivessem iniciado a quimioterapia ou qualquer outra intervenção para o tratamento.
Como na prática clínica as tomografias computadorizadas nem sempre estão disponíveis ou são impraticáveis para avaliar a composição corporal, os pesquisadores também analisaram o ângulo de fase (PhA) como um método alternativo. Essa é uma medida associada à integridade das membranas, obtida por análise de bioimpedância. Trata-se de uma ferramenta rápida e não invasiva que pode refletir a composição corporal.
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“É um método portátil, de baixo custo e amplamente acessível para avaliar indivíduos em ambientes clínicos. Mas é necessário conhecimento específico para a correta interpretação dos resultados”, pondera Grecco.
Cinco anos depois, os pesquisadores consultaram os prontuários médicos dessas pacientes para verificar a mortalidade no período. Os resultados mostraram que a baixa massa muscular está significativamente associada à redução da sobrevida das mulheres com câncer de mama não metastático, em comparação com aquelas com massa muscular normal.
Além disso, indivíduos com baixa massa muscular também tinham menor ângulo de fase e isso foi associado a um pior prognóstico, que afetou negativamente a sobrevivência das pacientes, independentemente da idade e do estágio do câncer. Segundo Grecco, isso significa que a medida do ângulo de fase surge como um marcador promissor da saúde geral e pode ser uma ferramenta clínica valiosa na avaliação do prognóstico.
Impacto na vida real
O tumor de mama é um dos tipos de câncer que mais matam mulheres todos os anos. No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima quase 74 mil novos casos da doença por ano entre 2023 e 2025 e 18 mil mortes. Somente em 2023, segundo o Ministério da Saúde, a rede pública registrou 60.866 casos desse câncer em mulheres – 11% delas com menos de 40 anos de idade.
De acordo com o estudo, a prevalência de baixa massa muscular em pacientes com câncer varia amplamente, de 38% a 70%. Para o câncer de mama especificamente, estudos relatam uma prevalência próxima a 40%. Nessa população, a massa muscular reduzida tem sido associada à falha do tratamento, toxicidade da quimioterapia, diminuição da atividade física, progressão do tumor e menor sobrevida.
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Segundo Grecco, a perda de massa muscular durante o tratamento de câncer é esperada, mas não é desejada. Por isso, a avaliação precisa da composição corporal é essencial para monitorar alterações metabólicas relacionadas à doença e orientar medidas nutricionais direcionadas, particularmente em populações em que maior adiposidade pode mascarar a alteração. Assim, o objetivo do estudo foi tentar identificar medidas mais práticas e aplicáveis na rotina clínica para que os profissionais de saúde possam fazer intervenções mais precocemente para essas pacientes.
“A nossa ideia com esse trabalho é ter um olhar mais aprofundado e propor um aporte proteico mais cedo para essa mulher, assim que for diagnosticado o câncer de mama, indicando a quantidade de proteínas necessária que ela precisaria ingerir por dia, por exemplo”, diz a nutricionista.
Outra sugestão é que, ao acompanhar a massa muscular da paciente desde o início, o profissional de saúde a encaminhe para um programa de exercícios físicos dentro do que sua condição permitir. “Principalmente para exercícios resistidos e de força, que vão ajudar a preservar um pouco mais a massa muscular. A ideia não é promover o ganho de músculos, mas sim minimizar as perdas e dar uma condição melhor para o corpo dessa mulher aguentar todo o tratamento oncológico”, frisa a pesquisadora.
*Agência Fapesp