Milton Steinman: “Ser médico de desastres é um chamado”
Cirurgião-geral no Einstein é especialista no atendimento a vítimas de situações extremas. A mais recente na qual atuou foi a guerra na Ucrânia
Por que o senhor decidiu atuar em áreas de conflitos ou de tragédias naturais? Nessas situações, a diferença que você faz como profissional é pequena, mas para a pessoa que está sendo ajudada é gigante. Isso me faz bem e me sinto motivado. Ser médico de desastres é um chamado. Atender no consultório é bacana. Porém, em circunstâncias difíceis, me sinto útil porque consigo ajudar quem não tem nada. Parece que a vida tem mais sentido.
Como foi trabalhar na guerra da Ucrânia? Antes de ir, me avisaram sobre dois problemas lá: havia um surto de dengue, além da Covid-19, e meu transporte até a Ucrânia era por conta própria. Consegui uma passagem para a Polônia e fui.
O que viu por lá? As estradas estavam lotadas com pessoas saindo do país e somente eu fazendo o caminho inverso. Passei por tanques e caminhões bélicos até chegar a uma cidadezinha onde montaram um hospital de campanha. Havia oitenta médicos. Recebíamos nossas tarefas às 6 da manhã. Passei quinze dias e fiquei mais com o treinamento de outros médicos porque o sistema de saúde lá já era precário antes mesmo de colapsar com a guerra. Foram cerca de 6 000 atendimentos e mais de 600 profissionais treinados. E várias vezes ao dia descíamos aos bunkers por causa dos riscos. Era sempre uma sensação de perigo.
Qual a diferença entre atender vítimas de desastres naturais e da guerra? Fui ao Haiti em 2010 após o terremoto que destruiu o país. Havia tristeza e uma sensação de reconstrução. Na Ucrânia, é um sentimento que não acaba. Há a mesma tristeza, mas não o tempo de respiro. Era uma tensão constante. Os haitianos continuam vivendo na miséria, mas o terremoto acabou. Voltei da Ucrânia com um sentimento pior, como se faltasse um desfecho.
De que maneira essas experiências o impactaram? Quando você fica exposto à morte, se lembra da finitude da vida. Por outro lado, isso nos faz lembrar o que cada um de nós está fazendo na Terra. Para mim, estamos para ajudar um ao outro. Se não é por isso, é pelo o quê? Sabe aquela sensação de se sentir útil? Ela me deixa mais próximo da alma.
Publicado em VEJA de 9 de novembro de 2022, edição nº 2814