Melhor que dieta? Estudo aponta o real potencial do jejum intermitente
Estratégia para perda de peso é cultuada nas redes sociais e olhada com desconfiança por muitos médicos

Por cerca de 200 000 anos, a imprevisibilidade e a privação alimentar foram a realidade do Homo sapiens. Longos períodos de escassez separavam as caçadas bem-sucedidas, e a fome era uma companheira frequente. Esse histórico de carestia deixou marcas profundas no organismo. Ele se adaptou para armazenar energia com eficiência nos raros momentos de abundância, buscando manter um bom funcionamento até nas estações mais frias e penosas. Mas, ao redor de 12 000 anos atrás — uma data distante, mas apenas um lapso de tempo para o relógio da evolução —, nossos ancestrais passaram a plantar, domesticar animais e estocar comida. Foi uma revolução, inclusive para nossa biologia. Outra mudança drástica viria há menos de um século com o surgimento dos produtos ultraprocessados, hoje acessíveis em qualquer esquina, com direito a delivery. O resultado dessas transformações: nunca a humanidade viveu com tamanha oferta calórica. No entanto, a inaptidão fisiológica para dar conta de tantos petiscos e refeições, sem esforço físico, cobrou um preço: nunca engordamos tanto.
Diante dessa noção do passado e dos desafios atuais, começou-se a difundir a teoria de que resgatar hábitos primitivos, mais afeitos à dinâmica original do nosso organismo, seria uma saída para perder peso e ganhar saúde. Ora, se o corpo foi moldado para resistir à fome, um pouco de privação faria bem. É sob essa afirmação que o jejum intermitente se popularizou e, pegando carona na internet, não para de arrebanhar fãs e adeptos. A ideia, pura e simples: alternar os períodos de alimentação com janelas de seis a doze horas sem botar nada na boca, com exceção de uns copos de água. O argumento histórico, baseado puramente em teorias evolutivas, não costuma convencer completamente os cientistas — se fôssemos descartar as vantagens da vida moderna, teríamos de abrir mão de vacinas, antibióticos e micro-ondas. Mas jejuar não é uma estratégia que mereça ser desconsiderada nestes tempos de fast food e prateleiras lotadas. É o que vêm mostrando novos estudos sobre os efeitos da abstinência alimentar controlada no emagrecimento e no metabolismo.
O mais recente destaque dessa fornada, recém-publicado no respeitado periódico Annals of Internal Medicine, revela que passar três dias não consecutivos em jejum — o que representa, no caso, reduzir o consumo calórico em 80% — pode levar a uma perda de peso 7,6% maior do que fazer um regime tradicional, sem momentos deliberados de privação total de comida. No esquema testado, o indivíduo podia se alimentar livremente ao longo de quatro dias, desde que os outros três fossem de intensa abdicação, com períodos de ao menos oito horas sem comer. Para se certificar da validade dos resultados, a equipe responsável pelo experimento dividiu aleatoriamente os 125 participantes em dois grupos e ambos foram orientados a cortar a mesma carga de calorias ingeridas no período. Ou seja, ambos os lados podiam comer a mesma quantidade de alimentos, mas distribuída de forma diferente ao longo da semana. Feitos os exames nos voluntários, os pesquisadores constataram melhores resultados na turma do jejum intermitente.
Contudo, é preciso ter prudência antes de alçar a tática à panaceia dietética e impor generalizações. “O estudo é promissor, mas ainda não é suficiente para se tornar uma diretriz oficial”, afirma o nutricionista Ney Felipe, especialista em fisiologia e divulgador científico. A cautela se faz necessária por alguns motivos. Não são poucas as pesquisas mostrando que alguns tipos de jejum podem levar ao emagrecimento. Uma revisão recente que analisou criteriosamente mais de vinte trabalhos a respeito chegou à conclusão de que esse tipo de dieta costuma ser seguro para pessoas saudáveis e, de fato, pode ser benéfico para a redução da gordura e o perfil metabólico. Há, no entanto, algumas limitações. Além da superioridade dos efeitos em relação à restrição calórica comum ser pequena, o número de pessoas avaliadas nessas investigações é limitado, o que dificulta extrapolar os achados à população geral. Fora isso, as pesquisas duram pouco tempo e costumam excluir indivíduos que já têm problemas de saúde. O ensaio mais recente é um bom exemplo. Ele contou com pouco mais de uma centena de pessoas saudáveis que foram acompanhadas por um ano, o que torna impossível dizer se é factível manter o jejum depois desse tempo e se a estratégia é segura e eficaz no longo prazo, sobretudo para quem já convive com doenças crônicas e comuns, como diabetes e pressão alta.
A recomendação, portanto, é que o jejum intermitente pode ser considerado desde que com acompanhamento de um profissional capacitado. Esse amparo especializado se torna crítico quando levamos em consideração que a privação de comida pode gerar deficiências nutricionais. “É preciso planejar alimentações que incluam vegetais, proteínas magras, boas fontes de gordura e carboidratos complexos”, afirma Felipe. Se já houver alguma desordem no pedaço, o cuidado se intensifica. Pessoas com diabetes, por exemplo, podem sofrer com episódios de hipoglicemia em tempo prolongado de jejum — ora, vai faltar açúcar no sangue em um organismo que já tem dificuldades para manejar o uso dessa forma de energia. Como outras intervenções em prol da saúde, o ideal é que a privação alimentar seja prescrita e monitorada por um médico ou nutricionista.
Há outro ponto de atenção. Alguns trabalhos já sinalizam uma associação entre a adoção de jejum e dietas radicais com o maior risco de desenvolver distúrbios alimentares. É o que atestou um estudo da Universidade de São Paulo (USP) que ganhou projeção internacional. “Nossos resultados mostraram que aqueles indivíduos que jejuavam tinham maior tendência a episódios de compulsão alimentar, especialmente quando o jejum era mais prolongado”, diz o nutricionista Jônatas Oliveira, coordenador do Grupo de Pesquisa em Comportamento e Comida e autor do artigo. Não é que a abstinência calórica em si cause transtornos. O que existe é uma preocupação de que ela possa piorar a relação com o prato e ser um gatilho para descompensações em pessoas que já têm alguma predisposição a distúrbios — o que poderia ser apurado e identificado por um profissional treinado.

Apesar das ponderações de ordem prática, as novas evidências, oriundas tanto de estudos clínicos como de experiências em modelos com animais, são, de fato, animadoras para a perda de peso. É nesse quesito que o jejum intermitente desponta como proposta potencialmente eficaz. “O que se pode afirmar sem sombra de dúvidas é que é uma estratégia válida para o tratamento de doenças metabólicas”, diz o endocrinologista Fábio Moura, diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. “Mas, no fim das contas, o fator decisivo é a adesão: quanto maior ela for, melhores os resultados.” É a velha questão: seja uma dieta, seja um remédio, se não seguirmos a prescrição, os efeitos desejáveis não chegarão ou se perderão com o tempo.
Em um futuro não tão distante, a ciência ainda poderá trazer recomendações que não se restrinjam aos impactos no emagrecimento em si. Sabe-se que períodos prolongados sem comer estimulam o corpo a queimar gordura e a produzir moléculas com um efeito benéfico ao cérebro, os corpos cetônicos. Evidências preliminares também indicam que o jejum pode ajudar a controlar inflamações, a melhorar o funcionamento do fígado (responsável, entre outras coisas, pela desintoxicação do organismo) e até a aprimorar mecanismos de autodestruição de células disfuncionais, como as que dão origem ao câncer. São promessas que precisam ser confirmadas em experimentos mais robustos.
O que já está consolidado é que, pensando na redução de medidas e em ganhos metabólicos, o jejum não é a única salvação da lavoura. Outros modelos de dieta, consagrados por décadas de pesquisa, são bem-vindos, inclusive pela maior facilidade de adesão e pela ausência de efeitos colaterais — pessoas que se privam de comida podem padecer com fraqueza, dor de cabeça, entre outros sintomas. Talvez o melhor exemplo seja o da dieta mediterrânea. Com foco em grãos integrais, proteínas magras, frutas, hortaliças, castanhas e azeite de oliva, ela já provou ser efetiva para o controle do peso, a saúde cardíaca e cerebral e a longevidade. O segredo é ajustar as calorias de acordo com as demandas e as necessidades individuais. Da mesma forma, exercícios físicos regulares (de vinte a sessenta minutos diários) são indispensáveis para quem quer manter a forma e o bem-estar físico e mental. Enquanto a ciência ainda desvenda os prós e os contras do jejum intermitente, uma lição continua atual: no fundo, o corpo busca tão somente o equilíbrio para continuar tocando a vida. Eis um aprendizado que tem base histórica e biológica e pode guiar escolhas na rotina nesta era de abundância e excessos.
Em busca da pílula milagrosa

Depois da nova safra de remédios para perda de peso, geração da qual fazem parte o Mounjaro e o Ozempic, desponta no horizonte outro medicamento que pode revolucionar o tratamento da obesidade e do diabetes tipo 2. Trata-se de um remédio chamado orforglipron que está chegando à última fase de testes clínicos. Também desenvolvido pelo laboratório americano Eli Lilly, dono do Mounjaro, o fármaco na forma de um comprimido pertence à mesma classe da concorrente semaglutida — é um análogo de GLP-1, que imita no corpo um hormônio naturalmente fabricado pelo intestino. A substância ajuda a reduzir a glicose no sangue e inibe o apetite.
O mais recente estudo da Lilly com a nova molécula, realizado com 559 pessoas com diabetes tipo 2, demonstrou que a droga foi bem tolerada, gerou uma melhora significativa no controle glicêmico — algo aferido pelos exames de sangue — e propiciou uma redução média de 8% do peso corporal depois de quarenta semanas de uso.
No momento, pesquisas também estão sendo conduzidas para dimensionar seu potencial para a obesidade em si. A expectativa é a de que, dentro de dois anos, ele possa somar-se ao arsenal terapêutico para o diabetes e o excesso de peso. “Uma das principais vantagens é justamente não precisar de injeções nem de jejum antes de engolir o comprimido”, afirma o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, pesquisador da USP de Ribeirão Preto. A ideia é que, passando pelos estudos e chancelas regulatórias, ele se torne um aliado prático do tratamento, sendo uma grande alternativa às agulhas dos atuais medicamentos.
A expectativa é alta e deve movimentar o mercado, consultórios e farmácias nos próximos tempos, a exemplo do que o “primo” Mounjaro tem feito no momento. E a história nem deve parar por aí. A mesma Lilly já testa seu primeiro triplo agonista, um remédio injetável que mimetiza três hormônios e promete uma redução de peso comparável à da cirurgia bariátrica — esse tipo de operação, aliás, segundo os especialistas, parece estar cada vez mais com os dias contados devido ao sucesso dos novos e menos invasivos tratamentos. As cenas dos próximos capítulos nesse campo da saúde serão animadas.
Publicado em VEJA de 2 de maio de 2025, edição nº 2942