Medicina traz descobertas animadoras sobre como frear o envelhecimento
É possível reduzir sua aceleração apenas tendo uma vida saudável, concluem os novos estudos
Alexandre, o Grande, o mítico general que lançou as bases da cultura helênica ao expandir os territórios da Macedônia e da Grécia ao Egito e parte da Índia, no século IV a.C., é considerado um dos maiores estrategistas militares de todos os tempos. Foi o responsável por mudar o curso da civilização ao permitir a integração da cultura da terra do filósofo Aristóteles, de quem foi pupilo, com os saberes orientais. Tal biografia lhe conferiu status de imortalidade histórica, e ele sabia disso. Contudo, o conquistador sonhou com a vida eterna também do corpo. Em sua jornada rumo ao Oriente, ele teria tentado localizar a tal fonte da juventude sobre a qual se falava nas conversas em que a mitologia pautava a realidade. Alexandre morreu aos 32 anos, cedo até para aqueles tempos. Seguiram-se a ele outros aventureiros, embalados pela ambição de encontrar o lugar de onde jorraria o líquido da mocidade. A dádiva, como se sabe, não existe. E quem a promete ainda hoje não merece confiança. Contudo, o que deve ser acompanhado com entusiasmo é a evolução da ciência na busca da vida mais longeva e plena.
Há um esforço sem precedentes nessa direção. Nos últimos anos, multiplicaram-se as pesquisas dedicadas ao entendimento do processo de envelhecer, resultando em achados fascinantes. Já se sabe que ele acontece em nível celular. Para se ter uma ideia, as células da pele de um recém-nascido se dividem até noventa vezes. As de pessoas mais velhas, vinte. É parte de um mecanismo biológico natural. O que não era esperado é que elementos externos como poluição, estresse e má alimentação ganhassem tamanha relevância na vida moderna a ponto de conseguirem interferir diretamente no material genético, provocando alterações que aceleram o desgaste estrutural do organismo. Por isso, grande parte dos estudos em andamento tem como objetivo criar meios de prevenir, detectar e tratar as transformações ocorridas dentro do maquinário celular e do DNA para interromper não o envelhecimento, mas a sua aceleração.
Duas das promessas mais recentes apareceram nos Estados Unidos e no Brasil. Lá, a empresa Elevian se prepara para iniciar no próximo ano estudos em humanos com uma proteína que, em animais, mostrou boa eficácia na restauração de estruturas danificadas. O primeiro trabalho envolvendo a GDF11, nome do composto, teve conclusão impressionante. Na Universidade Harvard, os cientistas queriam ver o que aconteceria no tecido cardíaco se o sangue de uma cobaia jovem fosse transferido para um animal velho. O coração acabou rejuvenescido e os pesquisadores, estarrecidos. Estudos posteriores revelaram que o vetor do feito era a proteína, hoje a aposta principal da Elevian, onde se pesquisam eventuais benefícios em órgãos como o cérebro e no sistema musculoesquelético, além do coração.
Por aqui, a Universidade de São Paulo publicou recentemente no periódico científico Nutrition artigo relatando o efeito de uma substância chamada taurina na redução do envelhecimento precoce. O composto auxilia as células a se livrar de moléculas nocivas fabricadas por elas próprias como reação a agressores externos e que podem levá-las ao estado chamado estresse oxidativo, extremamente associado a danos prematuros ao organismo. Depois de separar aleatoriamente 24 voluntárias com idade entre 55 e 70 anos em dois grupos, os cientistas brasileiros trataram metade com placebo e metade recebeu suplementos de taurina durante dezesseis semanas. Ao fim do período, as integrantes que tomaram as doses extras apresentaram maiores concentrações de substâncias que, como a taurina, auxiliam o processo de limpeza das células.
A evolução de outros campos de pesquisa também adiciona conhecimento valioso. Um dos mais reconhecidos, até pelo aspecto prático que oferece, é o que investiga o papel da flora intestinal na saúde como um todo. São relativamente recentes, contudo, as indicações de que mudanças ocorridas no microbioma podem estar associadas a um envelhecimento saudável. Sabe-se que o equilíbrio de microrganismos no sistema digestivo é decisivo para o bom funcionamento do organismo, mas, agora, o que se quer é descobrir se existe e qual seria a relação direta da flora na inibição dos fenômenos que levam a danos celulares precoces.
Um dos fatos que embasam os estudos é a constatação de que o perfil intestinal muda ao longo da vida. Nos três primeiros anos, sofre rápidas transformações. Depois, até a vida adulta, permanece o mesmo e só volta a se modificar na velhice. Estudos iniciais sugerem, porém, que quanto menos alterações nessa fase, melhor. O problema é que o consumo excessivo de alimentos processados e gorduras combinado ao sedentarismo contribui no sentido oposto. Por isso, autores de um dos mais recentes trabalhos sobre o assunto recomendam capricho na ingestão de tudo o que favorece a estabilidade da flora: frutas, grãos integrais, sementes e verduras, além de prática de exercícios.
A observação mais inusitada a se juntar à ciência do envelhecimento saudável vem do espaço. Um time internacional de cientistas descobriu que longas estadias nas estações espaciais causam o desgaste precoce de partes do esqueleto estimado em mais de dez anos. A razão é a falta de exercícios físicos durante as viagens. Adaptado às condições na Terra, o trabalho oferece dois benefícios. Primeiro, a informação serve como um alerta sobre o que a inatividade provoca na saúde óssea, sobretudo nas últimas décadas de vida. Além disso, o tomógrafo de última geração usado para examinar os astronautas poderá ser aplicado no diagnóstico das causas das perdas ósseas apresentadas por adultos na meia-idade ou idosos. Hoje, isso é um desafio. “Não fica sempre claro se o dano é consequência de inflamação ou sedentarismo”, diz Anna-Maria Liphardt, uma das autoras do estudo.
A idade cronológica está longe de representar a etapa real da potência do organismo. Dessa forma, ao se falar em processos adequados de envelhecimento, o que deve ser considerado é a idade biológica (leia o quadro). Além disso, a ciência não trabalha para encontrar fontes milagrosas de juventude. Elas não existem. “O que se quer é combater o envelhecimento prematuro e as doenças a ele associadas”, diz Alexandre Hohl, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Nada mais legítimo, sensato e humano, demasiadamente humano.
O vírus que envelhece
O HIV, responsável pela aids, acelera o envelhecimento em dois a três anos, segundo pesquisa recente da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Havia a indicação de que o vírus e os medicamentos antivirais utilizados para impedir sua replicação estariam associados às doenças cardiovasculares, renais e neurológicas mais comuns depois dos 50 anos de idade.
Essa é a primeira investigação a demonstrar que o vírus, sozinho, interfere no comportamento dos genes, provocando danos associados ao desgaste prematuro do organismo. “O impacto se dá logo após os primeiros meses e anos de infecção, quando o vírus já entra em ação para adiantar o processo de envelhecimento atuando diretamente sobre o DNA”, afirma Elizabeth Crabb Breen, líder da pesquisa.
A descoberta, ainda que soe incômoda e acenda sinal amarelo, tem um aspecto positivo: é atalho para a compreensão mais detalhada dos mecanismos da aids e de que forma, ao tirar a imunidade do organismo, ela abre as portas para outras doenças.
Colaborou Paula Felix
Publicado em VEJA de 10 de agosto de 2022, edição nº 2801