Longevidade: como reduzir a diferença entre o tempo de vida cronológico e o biológico?
Por meio de pistas em certos órgãos, estudos mostram o descompasso. Minimizá-lo é a chave para viver mais e melhor

Imagine a seguinte cena: o paciente chega a um centro de exames para um check-up. Passa por um scanner de ressonância magnética direcionado ao tórax, treinado por recursos de inteligência artificial. E descobre que seu coração é cinco, talvez dez anos mais velho que aquilo que seria previsto pela idade estampada no RG. Parece um mundo futurista, mas ele já está bem próximo da realidade. É o que um grupo internacional de cientistas da Universidade de East Anglia, no Reino Unido, acaba de identificar ao submeter a testes centenas de voluntários, entre indivíduos saudáveis e outros com doenças crônicas como obesidade, diabetes e pressão alta. A idade biológica do coração não mente: quem estava exposto a fatores de risco de fato envelheceu mais rápido. Esse tipo de informação poderá ajudar a engajar pessoas em cuidados e tratamentos e guiar pesquisas com o objetivo de desacelerar o relógio cardíaco — e o de outros órgãos.
O experimento recém-divulgado é exemplo notório de um campo de investigação biomédica que procura elucidar os descompassos entre a idade biológica e a cronológica, um dado cristalino de que o organismo não está na melhor rota para a longevidade. É o mais novo capítulo de uma história antiga, que remete à busca de uma suposta fonte da juventude. Se o conquistador espanhol Ponce de León liderou uma expedição atrás desse sonho pelo Novo Mundo no século XVI, foi movido por ideias plantadas muito tempo antes entre inúmeras culturas e registradas por nomes como o grego Heródoto. Entre elixires, banhos e outras prescrições, porém, até hoje nenhuma fórmula infalível foi encontrada. O que está certo é que, se queremos encontrar ao menos diretrizes para brecar os ponteiros internos, o primeiro passo é entender o envelhecimento.
Nesse contexto, com apoio de ferramentas de biologia molecular e o apuro dos algoritmos, despontam trabalhos interessantes sobre a idade biológica, aquela que reflete quão “gasto” você está por dentro, enquanto seu documento de identidade insiste em contar outra história. Todo mundo sabe que o passar do tempo aumenta a propensão a uma série de doenças, mas por que algumas pessoas encaram panes cardíacas ou cerebrais aos 50 anos e outras chegam aos 90 incólumes? A ciência tem mostrado que cada um envelhece em um certo ritmo e compreender o que acelera ou desacelera esse processo, no nível dos órgãos, das células e dos genes, pode ser uma das chaves da vida longa. “Há cada vez mais estudos que medem a idade biológica tanto em pacientes com câncer ou insuficiência cardíaca como em áreas como a dermatologia, e seus achados podem ser úteis para entender a melhor abordagem a cada paciente”, disse a VEJA Evelyne Bischof, vice-presidente da Sociedade de Medicina da Longevidade Saudável.

Para essa pesquisadora de Xangai, na China, as ferramentas que auxiliam a delatar o tempo de vida do corpo deverão ser incorporadas, muito em breve, aos exames de rotina. O pulo do gato (e o desafio) é saber onde encontrar “dedos-duros” confiáveis e aptos a revelar a idade do coração, do cérebro ou do fígado, por exemplo. A tecnologia pode facilitar a vida nesse sentido — e nem é preciso recorrer a métodos ultrassofisticados. Em um estudo publicado pela Sociedade Europeia de Cardiologia, com dados de meio milhão de pessoas, especialistas demonstraram ter conseguido criar uma forma de calcular a idade cardíaca com base apenas em eletrocardiogramas, um exame muito acessível. Já na Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, equações montadas em cima de ressonâncias magnéticas do crânio permitem estimar quão velho está o cérebro. Técnicas semelhantes, sempre recorrendo aos algoritmos, podem ser empregadas para os pulmões, o pâncreas e até a pele. Entender as discrepâncias entre o número atingido e o esperado ajudará a apontar, para médicos e pacientes, a necessidade de zelar melhor por determinado órgão. Os pulmões estão caducando? Pare de fumar. O coração está combalido? Comece a tomar alguns remédios. E por aí vai…
Muito além de regiões específicas do corpo, cientistas quebram a cabeça para achar marcadores moleculares capazes de cravar a idade biológica com mais precisão. O alvo são diversos fenômenos que ocorrem sem nos darmos conta — da oxidação de proteínas ao encurtamento dos pezinhos dos cromossomos que embalam nosso DNA, os telômeros. “O ideal é juntar num exame o maior número possível desses marcadores”, diz o geneticista Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Instituto Serrapilheira. “Mas ainda não chegamos lá.” Hoje, as pesquisas para encontrar essas substâncias de referência caminham a passos largos e até já existem, sobretudo fora do Brasil, testes comerciais que prometem fazer esse tipo de avaliação. O problema é que cada um desses exames dá uma informação diferente para o usuário e, por enquanto, ninguém sabe ainda como juntar as peças, muito menos o que fazer com elas.

É questão de tempo. Com o apoio da inteligência artificial, sempre ela, os experts vislumbram não só o encontro de novos e melhores biomarcadores como também a criação de técnicas mais efetivas para vasculhar, nos genes e nas proteínas codificadas por eles, pistas que indicam um envelhecimento penoso ou adequado. A grande questão que paira no ar é que, embora essas ferramentas de predição da idade biológica estejam prestes a ganhar a realidade, ainda existem poucas estratégias eficientes e assertivas para desacelerar ou mesmo reverter o tempo das células. Sabemos que o estilo de vida interfere no cronômetro vital, mas não haveria um atalho para conservar nossos órgãos com uma injeção ou um comprimido? Nos anos 1990, pesquisadores identificaram genes responsáveis por uma longevidade maior — desde então, buscam-se moléculas capazes de se comportar como eles, de preferência administradas em pílulas. Experiências com animais já mostraram que, por incrível que pareça, é possível estancar o ritmo de desgaste utilizando inclusive drogas disponíveis há anos no mercado. Um exemplo é a metformina, remédio antigo e barato para controlar o diabetes. A dificuldade é que, para testar e comprovar essa hipótese em seres humanos, precisaríamos de um estudo clínico de longuíssimo prazo e sujeito a inúmeras discussões éticas.
Se por um lado uma fórmula química antiaging não vai chegar tão cedo até nós, por outro já começamos a ter algumas coordenadas para chegar mais longe e de forma ativa. Embora os genes tenham um papel na longevidade, calcula-se que 70% do envelhecimento esteja ligado a fatores ambientais e comportamentais. Manter as interações sociais, cuidar da saúde mental e evitar comer em excesso são medidas comprovadamente benéficas. “E as recomendações que as nossas avós nos davam continuam sendo eficazes”, diz o biomédico Evandro Araújo de Souza, pesquisador da USP, apoiado pelo IDOR Ciência Pioneira. O cientista se refere a boas noites de sono, uma dieta equilibrada (com mais comida de verdade e menos fast food), rotina de atividade física e consultas médicas em dia. Não é nenhum protocolo misterioso, mas já ajuda a renovar as células e a combater as principais enfermidades, como as doenças do coração. Acertar os ponteiros do relógio biológico com os do tempo cronológico garante o ritmo certo para um processo de longevidade saudável.
Publicado em VEJA de 30 de maio de 2025, edição nº 2946