Identificado fator genético comum a cinco doenças mentais
Estudo feito com milhares de pessoas encontrou variações genéticas comuns a depressão, autismo, TDAH, esquizofrenia e bipolaridade. Descoberta pode abrir caminho para novas formas de diagnosticar condições
Pela primeira vez, pesquisadores chegaram à conclusão de que cinco dos principais distúrbios psiquiátricos dos quais a população mundial sofre – depressão, autismo, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtorno bipolar e esquizofrenia – compartilham uma série de fatores genéticos em comum. A descoberta faz parte do maior estudo já feito sobre a relação entre genética e doenças mentais. E, segundo os especialistas, o achado pode fazer com que essas doenças passem a ser diagnosticadas também com base em suas causas – por exemplo, em fatores biológicos -, e não apenas em seus sintomas descritivos, como é feito atualmente.
O trabalho, publicado nesta quinta-feira na revista médica The Lancet, foi desenvolvido pelo Consórcio de Psiquiatria Genômica (PGC, sigla em inglês), que reúne diversos pesquisadores para estudar as informações genéticas de desordens psiquiátricas. “Essa análise fornece a primeira grande evidência de que fatores de risco genético e molecular, individuais ou agregados, são compartilhados entre cinco transtornos mentais que surgem na infância ou na vida adulta e que são tratados em categorias distintas na prática clínica”, diz Jordan Smoller, diretor da Unidade de Genética Psiquiátrica e de Neurodesenvolvimento do Hospital Geral de Massachusetts, da Universidade Harvard, Estados Unidos, e coordenador da pesquisa.
Avaliação – No trabalho de Smoller, foi analisado o genoma de 33.332 pacientes que apresentavam uma das cinco doenças psiquiátricas descritas no estudo (TDAH, autismo, bipolaridade, esquizofrenia e depressão) e o de outros 27.888 indivíduos que faziam parte de um grupo de controle.
Ao comparar o genoma dos dois grupos, os pesquisadores buscaram diferenças no DNA dos participantes e encontraram similaridades em algumas regiões do material genético entre pessoas que tinham algum transtorno psiquiátrico. De acordo com a pesquisa, uma variação em dois genes específicos foi o fator genético mais fortemente associado ao maior risco desses cinco distúrbios. Esses genes são o CACNB2 e o CACNA1C, que já haviam sido relacionados ao transtorno bipolar e à esquizofrenia anteriormente. Ambos são importantes para regular o fluxo de cálcio nas células do cérebro.
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Diagnóstico e tratamento – Para os pesquisadores, os resultados mostram que esses dois genes podem se tornar um alvo para novos tratamentos contra as cinco doenças psiquiátricas. Além disso, eles acreditam que futuras pesquisas possam comprovar a ideia de que o fluxo dos níveis de cálcio nas células cerebrais é fundamental para o surgimento de todas essas cinco doenças. “Nossos resultados fornecem novas evidências que podem promover um passo além dos sintomas descritivos na psiquiatria e na direção de classificar as doenças com base em causas subjacentes. Esse estudo é particularmente relevante tendo em vista a revisão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e da Classificação Internacional de Doenças (CID)”, diz Smoller.
Em um comentário que acompanha o estudo, Alessandra Serretti e Chiara Fabbri, pesquisadoras do Departamento de Ciências Biomédicas e Neuromotoras da Universidade de Bolonha, na Itália, consideraram que “muito progresso foi feito” com essa pesquisa. “O presente estudo pode contribuir para um futuro sistema de diagnósticos que poderia ser baseado não somente em categorias clínicas, mas também em fatores biológicos que ajudariam o médico a determinar um tratamento adequado a seu paciente”, escreveram.
Especialista responde
Ricardo Alberto MorenoMédico psiquiatra e coordenador do Programa de Doenças Afetivas do Instituo de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
“A importância desse estudo é que ele mostra que caminhamos cada vez mais para circundar as doenças psiquiátricas sob todos os seus aspectos Ou seja, sintomas e sinais, curso e evolução, antecedentes familiares e biologia, que inclui genética, imagens cerebrais e outros potenciais marcadores em estudo.
A classificação das doenças na psiquiatria ainda é descritiva, ou seja, os transtornos são catalogados de acordo com a presença de sinais e sintomas. Esse modelo não é perfeito, mas nos permite trabalhar de uma forma mais ou menos uniforme para identificar os pacientes e assim estabelecer estratégias de tratamentos específicas.
Seria ideal ter um marcador biológico diagnóstico para os transtornos psiquiátricos. Entretanto, estamos longe disso porque, para a manifestação da doença, há a contribuição de vários fatores, entre eles os genéticos e os relacionados à interação do ambiente. Ou seja, o indivíduo geralmente herda a predisposição para a doença e sua manifestação vai depender do equilíbrio entre fatores como negligência ou abuso na infância, exposição a situações estressantes, além de doenças e traumatismos físicos.
Há outras doenças médicas que, apesar de terem uma via comum, ainda são diagnosticadas de forma clínica, como as doenças autoimunes e inflamatórias. Somente no futuro, mais dados da biologia molecular e de outros potenciais marcadores biológicos poderão contribuir para um diagnóstico mais preciso.”