Hospitais de campanha podem ajudar a diminuir o desastre brasileiro
Na tentativa de aliviar a falta de leitos em hospitais públicos, esses espaços se mostram bem estruturados para auxiliar na crise do coronavírus
Parece que foi ontem, e lá se vão mais de 100 anos. Os hospitais de campanha, um dos marcos do espanto com a gripe espanhola de 1918 a 1920, erguidos às pressas diante da urgência, são agora também um recurso contra a saturação do sistema público de saúde diante do avanço dos casos de Covid-19. Há imagens que se repetem. As tendas brancas montadas no gramado do Estádio do Pacaembu, em São Paulo, com 200 leitos, erguidas em apenas três semanas, em louvável ritmo chinês, remetem às instalações do pronto-socorro na sede do chique clube Paulistano, no início do século passado. Em dez estados do Brasil, há, agora, quarenta instalações hospitalares improvisadas já construídas, com mais de 4 000 vagas — estima-se que, dentro de dois meses, a quantidade de espaço possa dobrar.
Os hospitais de campanha recebem em sua maioria pacientes com quadro de média complexidade, que pedem cuidados diários mas não têm risco iminente de morte nem apresentam complicações no tratamento. O objetivo é nítido: evitar que, em estado mais grave, tenham de usar leitos de UTI (no Estado do Amazonas, por exemplo, a taxa de ocupação é de 89%; em Pernambuco, chega a 98%). O limite se aproxima perigosamente, um atalho para o drama. Nesse cenário, a improvisação salva vidas. Improvisação que, aliás, mereceria nome mais adequado. Há rigor absoluto nas instalações modernas — e nesse aspecto, ao menos, a comparação com 1918 a 1920 é indevida. “Mesmo com preparação acelerada, temos conhecimento e gabarito para criar ambientes absolutamente seguros”, diz Guilherme Schettino, diretor do Instituto Israelita de Responsabilidade Social, do Hospital Albert Einstein, responsável pela gestão do Pacaembu em parceria com a prefeitura de São Paulo, por onde circulam 520 profissionais entre duas alas, a feminina e a masculina.
Convém ressaltar que a pandemia de 2020 acelerou as construções, mas elas não são inéditas. Os cuidados com a dengue levaram o Rio de Janeiro, em 2008, e o Distrito Federal, em 2019, a montar operações temporárias, em dimensões evidentemente menores que as atuais. Para o zelo com a Covid-19, há diferentes estratégias em cada estado, a depender das necessidades mais prementes. Na Bahia, por exemplo, o Estádio Fazendão, em Lauro de Freitas, nas cercanias de Salvador, abriu 44 leitos para pessoas com quadros de saúde diversos, mas negativos para o novo coronavírus. A ideia, reafirme-se, é que esses doentes liberem espaço em hospitais comuns.
Há, em todos os edifícios transitórios, um tom permanente de atenção, de pressa — próximo da solidariedade que se vê, habitualmente, no cotidiano dos hospitais de campanha militares. Sente-se no ar o nervosismo que antecede os momentos de decisão e gravidade. A reportagem de VEJA visitou alguns hospitais de campanha no Estado de São Paulo e percebeu neles a mistura da apreensão com a certeza científica, em corredores e quartos limpíssimos, atrelados ao que há de mais moderno na medicina emergencial. “Estamos prontos para a guerra”, resume Márcio Chaves Pires, secretário de Saúde de Santo André, cidade no ABC paulista que vai dobrar o número de leitos com a construção de três hospitais provisórios em centros esportivos e universidades. “E, como ocorre numa guerra, ninguém sairá dela da mesma forma que entrou.” Não há dúvida.
Publicado em VEJA de 6 de maio de 2020, edição nº 2685