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Experimento ousado abre caminho para a cura de condições genéticas raras; entenda

Terapia gênica foi utilizada em bebê e possibilita uso personalizado de tecnologia de ponta

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 22 Maio 2025, 13h00

Na última semana, médicos do Hospital Infantil da Filadélfia, nos Estados Unidos, fizeram história ao desenvolver uma terapia gênica personalizada para tentar salvar a vida de um único bebê – movimento que abre caminho para a adoção de tecnologias de ponta para o tratamento, e eventual cura, de condições genéticas raras.

Hoje, já existem uma variedade de tratamentos disponíveis comercialmente que agem a nível de DNA para tratar condições antes incuráveis. O Zolgensma, por exemplo, entrega um gene dentro das células nervosas de crianças com Atrofia Muscular Espinhal para retardar a progressão da doença. Também existem opções, como a Casgevy e a Lyfgenia, em que as células tronco defeituosas são colhidas, editadas geneticamente e devolvidas ao paciente para o tratamento da anemia falciforme e da talassemia. 

O experimento mais recente, contudo, é distinto de tudo o que já foi desenvolvido antes. “Essa terapia é diferente porque ela foi feita sobre medida para um único bebê”, explicou a VEJA o pesquisador Bruno Solano, especialista em terapia celular e genética da Fiocruz e do IDOR Ciência Pioneira. “Outro ponto diferencial é a forma como ele é aplicado, já que a edição gênica foi realizada diretamente dentro do corpo do bebê, utilizando nanoparticulas que levaram a droga até o fígado.”

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Qual é a doença que foi tratada?

A criança, conhecida como KJ, é filha de Kyle Muldoon e Nicole Muldoon e foi diagnosticada com com uma desordem genética chamada de deficiência de carbamoil fosfato sintetase I (CPS1), um distúrbio que afeta a capacidade do corpo em eliminar amônia — substância que deriva do consumo de proteínas, uma macromolécula essencial para o funcionamento do corpo. 

Metade dos nascidos com essa condição morrem na primeira semana de vida, enquanto os sobreviventes ficam com sequelas graves, como atraso no desenvolvimento mental e doenças hepáticas que frequentemente levam à necessidade de transplante, apesar do uso de uma medicação que age para remover a amônia do sangue. A história de KJ, no entanto, pode ser diferente. 

“Ainda não se pode falar em cura, mas os sinais clínicos são animadores”, disse Solano. “Após duas infusões da terapia, o bebê apresentou melhora importante, a ingestão de proteína aumentou, a necessidade de medicamento diminuiu e ele passou por infecções sem apresentar crises, algo que poderia ser fatal antes do tratamento.”

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HISTÓRICO - Terapia Gênica: médicos envolvidos no tratamento de KJ
HISTÓRICO – Terapia Gênica: médicos envolvidos no tratamento de KJ (Children's Hospital of Philadelphia/Divulgação)

Como funciona a terapia de edição gênica?

Para conseguir esse feito, os médicos lançaram mão de uma tecnologia chamada de Crispr. Essa ferramenta funciona como um geolocalizador molecular que pode ser personalizado para encontrar sequências específicas do DNA e modificá-las. O que os cientistas fizeram foi personalizar esse instrumento para que ele encontrasse o CPS1 disfuncional e trocasse por uma versão normal – procedimento que foi descrito com detalhes no The New England Jounal of Medicine

Essa tarefa, contudo, não é tão fácil. Isso acontece porque o Crispr personalizado precisaria chegar em grande quantidade até as células, mas o sistema imunológico é muito eficiente em destruir coisas que vem de fora e esse instrumento seria degradado rapidamente no sangue. Para evitar que isso acontecesse, os médicos envolveram a ferramenta em bolhas de gordura muito pequenas que conseguiriam chegar ao fígado para fazer a modificação, sem que fossem destruídas pelo corpo – tudo isso em cerca de 6 meses. 

Ainda assim, vários ciclos de tratamento são necessários porque o órgão tem milhões de células responsáveis pela degradação da amônia e cada uma dessas células tem uma ou algumas cópias do CPS1. A tecnologia disponível hoje não possibilita que todas sejam modificadas de uma única vez. No entanto, cada ciclo de tratamento leva a correção de um grupo delas, o que pode ser observado pela melhora progressiva. Idealmente, após algumas doses, terão tantas cópias funcionando normalmente que o medicamento para remoção de amônia não será mais necessário.

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Por que a notícia traz esperança?

O anúncio foi recebido com grande entusiasmo pela comunidade médica e científica. Até agora as terapias gênicas disponíveis são voltadas para condições que, mesmo raras, atingem muitas pessoas – e, portanto, têm interesse comercial –. Há uma grande preocupação, contudo, de que doenças como a de KJ, que atingem uma quantidade ínfima de pessoas, nunca recebam atenção suficiente para serem tratadas a contento. 

“Essa publicação é um marco na medicina de precisão e abre caminho para uma nova era”, diz Solano. “Ela mostra que é possível desenvolver terapias gênicas personalizadas, de uma forma rápida e segura, mesmo para doenças ultrarraras sem boas alternativas terapêuticas.”

Há, no entanto, quem veja a utilização dessa abordagem em ampla escala com ceticismo. “Não acho que seja possível porque isso tudo é extremamente caro”, afirma Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células Tronco da Universidade de São Paulo. “Para cada mutação é necessário um Crispr diferente e existem genes com milhares de mutações.”

Esse desafio, contudo, não diminui o tamanho da conquista. E é importante dar um contexto: Isso só foi possível porque já existia uma estrutura propícia. Além da legislação permitir a realização desse tipo de experimentação para casos excepcionais, os médicos, o corpo técnico e a indústria estavam preparados para lidar com a rapidez necessária para a urgência do caso. 

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Mas será que isso seria viável no Brasil? Por aqui, a legislação não difere muito da estadunidense e a tecnologia também está disponível – sendo utilizada diariamente por Zatz e Solano – contudo, a falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento dificultaria a realização de uma pesquisa tão cara, o que é dificultado pela escassez de estruturas industriais e de pesquisa capazes de conduzir essas pesquisas com tanta rapidez. 

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