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Estudo da USP aponta processo que pode estar ligado à síndrome pós-sepse

Alteração no metabolismo das células de defesa pode ser a chave para explicar por que boa parte dos indivíduos que sobrevivem à doença morre em até um ano

Por Luciana Constantino, da Agência Fapesp
8 abr 2022, 12h21

Estudo publicado na revista Frontiers in Immunology sugere que a sepse pode provocar alterações no funcionamento das células de defesa que persistem mesmo após a alta hospitalar. Segundo os autores, essa reprogramação celular pode estar associada à chamada síndrome pós-sepse, cujos sintomas incluem reinfecções frequentes, alterações cardiovasculares, deficiências cognitivas, declínio do funcionamento físico e baixa qualidade de vida. O fenômeno explicaria por que boa parte dos indivíduos que sobrevivem à doença morre poucos anos depois ou desenvolve incapacidades de longo prazo, ficando com a função imunológica prejudicada e um estado de inflamação crônica.

Considerada uma das principais causas de morte em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) no mundo, a sepse é uma disfunção orgânica sistêmica que ocorre em resposta a um agente infeccioso. É provocada, principalmente, por bactérias e fungos. O sistema de defesa passa a combater não só esse agente, mas também o próprio organismo, gerando disfunção dos órgãos.

Quando não é reconhecida e tratada precocemente, pode levar ao choque séptico e falência múltipla dos órgãos. Pessoas gravemente afetadas pela Covid-19 e outras doenças infecciosas têm maior risco de desenvolver e morrer pela infecção generalizada.

Estima-se que sejam registrados cerca de 49 milhões de novos casos de sepse ao ano em todo o mundo. A mortalidade hospitalar desses pacientes é superior a 40%, chegando a 55% no Brasil, de acordo com o estudo Spread (sigla em inglês para Sepsis Prevalence Assessment Database), realizado com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

No artigo publicado na Frontiers, os pesquisadores apresentam uma lista de estudos realizados e os números de óbitos registrados em até cinco anos após a alta hospitalar.

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“A infecção maciça e a intensa resposta imunológica que a acompanha com grande aumento da concentração de citocinas [proteínas inflamatórias] no sangue durante a sepse podem promover a reprogramação metabólica celular irreversível. É improvável que a reprogramação celular ocorra apenas em leucócitos ou na medula óssea, podendo ser registrada em vários tecidos e células. E isso leva a disfunções orgânicas sistêmicas”, escrevem os pesquisadores no artigo.

A biomédica Raquel Bragante Gritte, que divide a primeira autoria do artigo com Talita Souza-Siqueira, diz que uma das hipóteses estudadas pelo grupo é que a reprogramação metabólica começa na medula óssea, fazendo com que as células tenham um perfil pró-inflamatório. “Quando coletamos o sangue dos pacientes, mesmo depois de três anos da alta da UTI, verificamos que os monócitos [um tipo de célula de defesa] estavam ativados, prontos para a batalha, sendo que deveriam estar neutros, com ativação somente quando fossem ‘recrutados’ para o tecido”, afirma Gritte, em entrevista à Agência FAPESP.

Histórico

O artigo da Frontiers é um dos primeiros do grupo sobre o assunto. Descreve resultados da linha de pesquisa dos médicos e professores da Universidade de São Paulo (USP) Marcel Cerqueira Cesar Machado, que tem o apoio da Fapesp, e Francisco Garcia Soriano. Resume descobertas recentes de estudos disponíveis na PubMed (consagrada base de dados de resumos científicos) sobre o resultado de pacientes sépticos após a alta hospitalar.

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Segundo Gritte, o grupo de estudo acompanhou 62 pacientes do Hospital Universitário da USP durante três anos após a alta da UTI. Nesse período, foram analisadas alterações em monócitos, neutrófilos e linfócitos (tipos de leucócitos), além de microRNAs, para tentar identificar marcadores de prognóstico ou fatores associados à síndrome pós-sepse.

“Nossa hipótese é a de que os leucócitos conservam uma memória da sepse, ajudando a explicar o motivo de o paciente permanecer doente mesmo após a alta hospitalar”, diz o professor Rui Curi, da Universidade Cruzeiro do Sul e do Instituto Butantan, um dos orientadores do trabalho juntamente com Machado e Soriano.

No artigo, os pesquisadores especulam que a sepse pode gerar um fenótipo específico de monócito que permaneceria ativo após a alta hospitalar. “A reprogramação do metabolismo celular está envolvida nas funções específicas dos diferentes subtipos de linfócitos. Vários estímulos e condições alteram o metabolismo de leucócitos [linfócitos, monócitos e neutrófilos], incluindo a própria disponibilidade de nutrientes no microambiente.”

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De acordo com Gritte, um próximo passo seria realizar pesquisas com a medula óssea, buscando o que gera a reprogramação celular provocada pela sepse. “Acreditamos que a chave dessa alteração esteja na medula. Outro caminho, contudo, seria a ativação ocorrer no sangue. Temos de fazer uma avaliação mais profunda para buscar respostas.”

Os conhecimentos adquiridos neste estudo poderão ser a base para que se possa no futuro desenvolver estratégias para minimizar ou bloquear as alterações pós-sepse.

Em 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou o 1º Relatório Global sobre Sepse em que aponta lacunas no conhecimento sobre a infecção, principalmente em países mais pobres, dificultando os esforços para combater as mortes e incapacidades decorrentes dela.

A OMS recomenda a ampliação do financiamento e da capacidade de pesquisa de evidências epidemiológicas sobre a sepse, além do desenvolvimento de ferramentas de diagnóstico rápido, acessíveis e adequadas para melhorar a identificação, prevenção e tratamento da infecção generalizada.

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