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Especialistas brasileiros lançam primeira diretriz para diagnóstico e manejo da dependência em Zolpidem

Documento da Academia Brasileira de Neurologia define métodos para retirada gradual, manejo de abstinência e uso racional de hipnóticos no tratamento da insônia

Por Victória Ribeiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 5 nov 2025, 14h11

Pela primeira vez, a Academia Brasileira de Neurologia (ABN) lança uma diretriz nacional dedicada ao diagnóstico e manejo clínico do abuso e da dependência das chamadas Drogas Z, classe de hipnóticos que inclui medicamentos como zolpidem, zopiclona e eszopiclona, amplamente utilizados no tratamento da insônia. Publicado nesta terça-feira, 4, nos Arquivos de Neuro-Psiquiatria, o documento reúne recomendações práticas para o desmame e a descontinuação segura dessas substâncias, cujo uso abusivo se tornou um problema crescente de saúde pública no país.

As Drogas Z chegaram ao mercado nos anos 1990 como alternativas “mais seguras” aos benzodiazepínicos — como o clonazepam (Rivotril) — por apresentarem, em teoria, menor potencial de dependência. “E a princípio, nós realmente acreditamos nisso”, lembra a neurologista Andrea Bacelar, referência em Medicina do Sono e uma das autoras da diretriz. Mas a virada veio recentemente, impulsionada pela explosão de prescrições durante a pandemia de covid-19.

Segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), quase 22 milhões de caixas de zolpidem foram comercializadas em 2021, três milhões a mais que em 2019. Paralelamente, casos de dependência, consumo abusivo e relatos de amnésia se multiplicaram. “Os pacientes chegavam ansiosos, nitidamente alterados e dizendo: ‘Só vim pegar receita’. Um verdadeiro ‘shopping médico’”, descreve Bacelar.

Ao reunir evidências científicas, experiência clínica e consenso entre especialistas, o documento marca um avanço na abordagem nacional do uso indevido de hipnóticos. A expectativa é que a diretriz sirva como referência para médicos de diferentes especialidades — neurologistas, psiquiatras e clínicos — e para a formulação de políticas públicas voltadas ao uso racional de medicamentos para insônia. “Hoje, uma das principais dificuldades é que os médicos, embora saibam dos riscos, não sabem como fazer a retirada desse medicamento. Eles temem o processo e ainda sofrem pressão dos próprios pacientes”, diz a médica.

A construção do consenso

O documento, inédito no mundo pela abrangência e detalhamento, foi elaborado por um time multidisciplinar de dezesseis neurologistas e psiquiatras especialistas em transtornos relacionados ao uso de substâncias. As recomendações foram baseadas em uma revisão da literatura internacional e validadas por meio da metodologia Delphi, que busca consenso entre especialistas. Além disso, se aprofundou em detalhes específicos do cenário brasileiro.

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A diretriz recomenda que a interrupção do uso das Drogas Z seja sempre gradual, com avaliação prévia do estado mental, de comorbidades psiquiátricas e do grau de dependência farmacológica. O plano deve ser individualizado e ajustado conforme a dose, o tempo de uso e o perfil clínico do paciente. Entre os principais pontos estão:

  • Redução progressiva da dose (tapering): a retirada deve ser feita de forma lenta e controlada, com reduções de 10% a 25% a cada uma ou duas semanas, conforme a tolerância do paciente, para evitar sintomas de abstinência
  • Terapias não medicamentosas: a terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-I) é considerada o tratamento de primeira linha, podendo ser associada à terapia de aceitação e compromisso (ACT). Essas abordagens ajudam a restaurar o padrão natural do sono e a reduzir a ansiedade associada à interrupção do uso
  • Intervenções farmacológicas complementares: em casos selecionados, pode-se considerar o uso temporário de antidepressivos sedativos (como trazodona ou mirtazapina), antipsicóticos de baixa dose ou ligantes alfa-2-delta (como pregabalina ou gabapentina) para controle de sintomas durante o desmame
  • Uso de benzodiazepínicos de ação intermediária ou longa: medicamentos com meia-vida mais longa ajudam a suavizar a retirada por manter níveis estáveis no organismo, reduzindo picos e quedas abruptas de efeito
  • Evitar benzodiazepínicos de curta duração e melatonina de liberação imediata: o efeito rápido e a curta meia-vida dessas substâncias favorecem picos de ação, o que aumenta a instabilidade do sono e o risco de reforço da dependência.
  • Supervisão contínua: durante o processo de retirada, o acompanhamento médico é importante para monitorar sintomas de abstinência, ajustar o ritmo de redução e prevenir recaídas. Em casos de uso abusivo ou de altas doses, pode ser necessário internamento breve para manejo seguro da retirada.

Zolpidem em foco

O documento ressalta que o zolpidem é o fármaco mais frequentemente associado a abuso e dependência, com relatos de delírios, comportamentos complexos noturnos — como dirigir dormindo, comer durante o sono ou realizar ações automatizadas — e até episódios que se popularizaram na internet, como compras online feitas sem lembrança posterior. Também há registros de sintomas de abstinência severos, incluindo convulsões.

Em 2024, a Anvisa reforçou o controle sobre a prescrição dessas substâncias, exigindo receitas do tipo B para zolpidem, após constatar o uso irregular e a venda fora do canal médico, mas a venda por mercado paralelo ainda segue sendo uma realidade, de acordo com os especialistas.

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Os riscos das Drogas Z

Assim como os benzodiazepínicos, a tolerância é uma das principais questões das Drogas Z. Por terem meia-vida curta, essas medicações agem rápido, mas o efeito passa na mesma proporção, o que incentiva a repetição de doses e a dependência. Além disso, com o tempo, a medicina descobriu que, em doses elevadas, essas substâncias podem gerar uma sensação de bem-estar, o que estimula o uso recreativo. “É um problema muito brasileiro. Não há algo nesse mesmo nível em outros locais”, diz a neurologista. Entre os fatores que explicam essa particularidade estão o mercado paralelo e a variedade de formulações disponíveis, como as sublinguais — uma estrutura que também pavimentou a crise dos opioides nos Estados Unidos.

Outro fenômeno é a amnésia associada à parassônia, quando o cérebro fica parcialmente desperto e parcialmente adormecido. Isso acontece porque esses fármacos reduzem a atividade cerebral em regiões envolvidas com vigilância e controle motor, mas não “desligam” completamente áreas associadas à execução de comportamentos automáticos. Ou seja: o cérebro entra em um estado misto entre sono e vigília, em que a pessoa parece acordada, mas sem consciência plena. “É em meio a isso que as pessoas mandam mensagens e não se lembram, dirigem, fazem compras absurdas, e por aí vai”, explica Bacelar.

A abstinência também costuma ser grave. Além dos sintomas físicos típicos dos benzodiazepínicos — como ansiedade, sudorese e insônia —, há risco de crises convulsivas. “Isso acontece porque o receptor inibitório do sistema nervoso central, quando deixa abruptamente de estar ocupado pela substância, pode gerar uma atividade irritativa grave. Inclusive, não é incomum que pacientes que usam o medicamento em grandes proporções precisem ser internados durante o processo de retirada”, detalha a especialista.

Quando as Drogas Z devem ser usadas?

Hoje, as Drogas Z seguem, em linhas gerais, a mesma linha de prescrição do clonazepam e família: devem ser indicadas apenas em crises agudas de insônia. Ou seja, quando não há possibilidade de aguardar os efeitos de outras alternativas, com tempo máximo de uso contínuo de duas a quatro semanas. O que se observou é que, a partir desse ponto, se o paciente ainda precisa do remédio, significa que o problema de base não foi tratado. E, a partir daí, começa-se a gerar uma necessidade, tanto biológica, do receptor, quanto emocional.

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Apesar de essa ser a recomendação ouro, há espaço para individualização. “Em alguns casos, o paciente melhora, mas ainda precisa de suporte. Aí ajustamos, por exemplo, para três vezes por semana. O importante é que o uso tenha início, meio e fim, e tudo seja combinado com o paciente, ajustando a dose para evitar riscos”, diz Bacelar.

A neurologista destaca também que atualmente há outras medicações mais seguras, que podem ser consideradas quando a insônia vem acompanhada de fatores clínicos, psiquiátricos ou de outros distúrbios do sono. “A gente precisa entender a história completa desse paciente para decidir o melhor caminho. Não existe receita de bolo. Cada um vai se beneficiar mais de um ou de outro tratamento. Essa é a essência da individualização.”

Segundo a médica, existem também grupos para os quais o uso das Drogas Z é especialmente contraindicado. “Há pessoas com muito mais chance de desenvolver dependência: quem já usou tranquilizantes previamente, tem histórico de alcoolismo, doenças psiquiátricas em tratamento prolongado, comportamento impulsivo, tentativa ou pensamento suicida. Essas pessoas não devem ser expostas a essas substâncias — nem por um mês, nem por quatro semanas.”

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